terça-feira, 31 de março de 2009

Desventuras de um ‘soldado’ invisível ou desvarios sobre a loucura - Gentes in Lugares

Foto: filhodeumdeusmenor

Por Carlos Eduardo Freitas [cadusongs@yahoo.com.br]

Para quem acha que já viu de tudo nesta vida... Peço licença para narrar uma história de tristeza e de desventuras em série. A história de um soldado que, quando gente grande, tornou-se aquilo que é mais temido no mundo genuinamente imagético: a invisibilidade. É, caros leitores, este é um conto verossímil da vida de infortúnio de um pobre homem... Ou, quando loucura, devaneio, vício e razão, são unidos por uma tênue teia.

Ele morreu? Perguntaria logo os mais sensacionalistas. Não! Responderia os mais dramáticos! Aconteceu coisa pior, ele vive uma morte anunciada a cada instante, ele perdeu o sentido da dignidade humana, ele rasteja, ele defeca em si próprio, ele excrementa o resto do sentido que lhe restou e só tem forças para pedir um belo e encorpado copo de cachaça. Rechaçariam.

Mirá-lo com o olhar? Quem se arrisca! Aqueles que o fazem são logo aliciados a ajudá-lo no vício, ou serio na fonte que o mantém vivo?! ‘Soldado’, era um homem forte, vigoroso, simpático... Ninguém sabe ao certo o que o levou a chegar a tal estado. Todos sabem que ele existe. Quase ninguém o percebe... Quem tem coragem olha e ver. Ver um colchão velho, imundo, alocado em um dos patamares da praça da Igreja Matriz do bairro de São Cristóvão. O colchão, com uma crosta de sujeira, feses de gente e de cachorro, urina e vômito serve de abrigo para ele.

Há uns dez anos tentaram levar ‘Soldado’ para uma clínica de tratamento, deram-lhe banho, apararam o cabelo e a barba... Mas ele voltou. Voltou para a rua, ou melhor, para a praça. Ali é seu lugar. Chuva, sol, relento, calor, frio não o afastam de lá. Fome, sede... Necessidades essenciais para nós, pobres mortais, para ‘Soldado’, não! Isto aparenta ser para este homem algo fútil, como comer um Mc Lanche feliz. Ele só bebe (álcool), rasteja, mendiga e fede. Isto, talvez o odor seja a coisa que o torna real.

Tem gente que só falta pisar do miserável homem. Esta condição, no entanto, leva àqueles, como este cronista que vos escreve - inconformados com os moldes sociais pré-estabelecidos e estereotipados -, lugar-comum, a pensar: Até que ponto o louco, o invisível, o miserável é este homem, o tal ‘Soldado’? Não seríamos nós também, dementes seres racionais? Quem garante que nossa idiossincrasia é a mais correta do universo? Como diria um velho amigo dos tempos de quartel: “um ponto-de-vista é apenas a vista de um ponto”.
*Carlos Eduardo Freitas é jornalista, assessor de imprensa da Associação dos Gestores Governamentais do Estado da Bahia e colaborador deste blog desde janeiro de 2009.

Nenhum comentário: