terça-feira, 3 de março de 2009

Tesouros de Vera

Textos: Carlos Eduardo Freitas e Murilo Gitel
Edição: Murilo Gitel
Fotos: Adílton Borges, Alex Jordan, Carlos Eduardo Freitas e Murilo Gitel
O primeiro final de semana de filmagens de nossa equipe na Ilha de Vera Cruz (BA) foi bastante proveitoso. Os jornalistas Adílton Borges, Carlos Eduardo Freitas (à dir. de chapéu), Alex Jordan (ao fundo, de camisa vermelha) e eu (à esq.) realizamos quatro entrevistas com personagens riquíssimos dos distritos de Santo Amaro de Jiribatuba, Matarandiba e Conceição, além de muitas fotografias e imagens.
Em Conceição, um dos povoados da ilha, enquanto nos despedíamos de "seu Nicanor", bisneto de escravos e um dos principais representantes da luta pela reforma da igreja local, uma menina de apenas nove anos, conseguiu nos deixar chocados com o seu próprio espanto. Ela perguntou:

- Vocês são jornalistas?

Respondemos:

- Sim. Por que?

E ela:

- Porque é a primeira vez que vejo jornalistas aqui...

A partir de então, tivemos mais um motivo especial para acreditar na importância do caráter público, o chamado "fazer jornalístico", deste documentário que estamos desenvolvendo. Mas que deu vergonha, deu...


Uma das histórias mais fascinantes e, ao mesmo tempo, preocupantes da Ilha de Vera Cruz envolve a igreja de Nossa Senhora da Conceição (foto acima). Construída pelos escravos africanos no século 16, trata-se do segundo templo religioso mais antigo do Brasil. Lamentavelmente, um espaço que deveria ser tratado como patrimônio histórico e cultural encontra-se em ruínas, como vocês podem ver, abandonado pelo poder público, servindo de motel e de ponto para o consumo de drogas.

Sobre o chão da igreja de Nossa Senhora da Conceição, um preservativo usado ao lado de um toco de cigarro mostra a utilidade que a igreja tem tido depois que foi abandonada.


Mas diante de todo este cenário desolador, há uma esperança: e ela atende pelo nome de José Maria, padre responsável pelo Centro Paroquial de Jiribatuba, mas que celebra missas em praticamente todos os distritos da Ilha de Vera Cruz. Ele luta há mais de 20 anos contra a degradação da Igreja de Conceição, ao enfrentar os especuladores de posses da região, ávidos por construir no terreno onde está localizado o templo. Ele também foi o autor do projeto que busca a recuperação da casa religiosa, junto ao Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional (Iphan).

"Ainda não obtivemos resultados. O projeto está engavetado", explicou o padre José Maria, desolado.

"Seu Nicanor (foto)" é uma das pessoas mais respeitadas da Ilha de Vera Cruz. Bisneto de escravos, sua família herdou as terras de um senhor de engenho generoso (mais detalhes no documentário), que ao alforriar o bisavô deste nosso personagem mais do que ilustre, presenteou-lhe com boa parte dos terrenos que possuía, juntamente com mais dez famílias de trabalhadores.

Uma das maiores tristezas de seu Nicanor é o estado atual da igreja de Nossa Senhora da Conceição, que, segundo ele, foi o palco da grande festa que os escravos deram logo depois que a Lei Áurea foi assinada, no final do século 19, regada a comida e bebida em grande quantidade, e é claro, muito samba de roda.

"Minha única esperança é a luta do padre José Maria, porque eu já lutei demais, estou velho, enxergando mal, enfim. Um homem não pode renegar sua história e deixar de lutar por sua origem. É uma pena que tudo o que é bonito e importante neste país seja derrubado", desabafou, emocionado.

*Nesta sexta-feira, 6 de março, você lê a segunda parte da reportagem fotográfica "Tesouros de Vera". Em destaque, os mistérios que rondam a construção da Igreja de Santo Amaro de Jiribatuba: milagre, superstição ou alucinações causadas pela fé?

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