terça-feira, 14 de abril de 2009

Eu, o pecador


Ponto de ônibus do Paralela Park: terça-feira, 14 de abril, 7h25. Eu espero impacientemente o ônibus que faz a linha Canabrava/Pituba, a fim de chegar ao trabalho nosso de cada dia. Desejo um bom dia discreto aos demais trabalhadores que já estão por lá - algo em torno de dez pessoas, sete mulheres e três homens. Acho que vou chegar atrasado, justo num dia em que tenho muitas atividades para cumprir.
Os minutos passam e a minha paciência vai sendo minada. Tento esboçar uma rápida reflexão sobre a situação precária e por que não dizer vexatória do transporte público de Salvador, envolto em suas linhas escassas, seus modelos de veículos arcaicos, motoristas e cobradores mal-educados, sem falar no preço da tarifa, desproporcional se levarmos em conta a falta de qualidade de tal sistema rodoviário. No entanto, o sono que herdei da última madrugada me impede de levar o pensamento reflexivo adiante.
Lá pelas tantas, bocejadas despejadas ao vento quente soteropolitano, eis que nós, os trabalhadores do ponto de ônibus do Paralela Park, passamos a ganhar a companhia de uma evangélica do tipo xiita, provavelmente testemunha de Jeová ou adepta de uma facção semelhante. Ela inicia uma pregação desafinada de parábolas bíblicas que mais a confundem do que a elucidam, arrancando, inclusive, algumas gargalhadas dos pobres dependentes do ônibus que não vem.
Depois de pregar para o nada ou para o além, a evangélica, uma mulher magra, com uma saia gigantesca e uma blusa de gosto duvidoso, do tipo Marta Suplicy, se aproxima de mim, justamente de mim, me deseja um bom dia (que retribuo, gentilmente) e me entrega, em seguida, um daqueles folhetinhos insuportáveis com mensagens mais insuportáveis ainda, com a seguinte inscrição:
Tenha paciência e fé na palavra de Deus
Só o Senhor te levará a cura e lhe indicará o caminho da salvação.
Procure a igreja evangélica mais próxima de você!
Curiosamente, apenas eu recebo o folheto, para o espanto de todos. A mulher só entregou a mensagem a esta besta que vos escreve?! Por que não aos outros? Eles, aliás, deram boas gargalhadas com a minha risada irônica de perplexidade: devo ser o único pecador de toda a região do Paralela Park!!! Só eu vou para o inferno se não procurar a tal igreja evangélica, então...
Conformado, avisto o Canabrava/Pituba, que finalmente desce a ladeira.
Reflito: o ônibus, somente o ônibus que me leva ao sagrado local de trabalho pode ser a minha salvação.
E o pecador segue para mais um dia de batente. Resignado. Com um sorriso diabólico nos lábios.

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