quinta-feira, 23 de julho de 2009

O casamento, a vaquinha e o futebol

Arte sobre a foto: Marina Oliveira
O Aderbal era um companheiro exemplar para a Beatriz. Marido trabalhador, amoroso e extremamente dedicado, ele vivia quase que exclusivamente para a sua amada “Bia”, como carinhosamente se referia a ela, sempre venerando como sagrada aquela relação admirada e invejada por todos.

Por sua vez, Beatriz, a esposa de Aderbal, mulher de meia idade (assim como ele) e repleta de virtudes, correspondia plenamente ao amor do marido, procurando satisfazê-lo em todos os sentidos – sentia-se a mulher mais feliz do mundo. Em suma, passados alguns anos, aquele casal de classe média e qualidades mil era só felicidades, apesar de todas as dificuldades que todos nós enfrentamos no nosso dia a dia.

Ocorre, amigo (a) leitor (a), que outros anos se passaram, assim como as ondas da canção de Lulu Santos e, com eles, alguns sentimentos foram se esvaindo aos poucos, no contato com a areia, à beira-mar do amor. Imagine que o cheiro do Aderbal não despertava mais os sentidos da Beatriz. O perfume dela também passou a ser indiferente para o olfato implacável do Aderbal, outrora, um alucinado pela fragrância instigante da sua mulher.

Os olhos do casal Aderbal e Beatriz deixaram de brilhar, ganharam cavidades escuras, olheiras intermináveis e um aspecto terrível de cansaço e solidão. Tudo porque as brigas passaram a ser constantes, motivadas por fatores que durante muito tempo não existiram: desgaste, intolerância, ciúme. Eu falei em desgaste? Isso! A relação dos dois alcançou um nível insuportável. Estava desgastada. “Quem sabe o príncipe virou um chato?” Quem sabe a princesa transformou-se numa plebéia comum de um lugarejo qualquer?

Eis que, certa feita, um entristecido Aderbal se aproximou de casa, abriu o portãozinho de madeira, fez um carinho prolongado em Flipper (o cachorro da família que tinha cara de golfinho), entrou no lar, sentou na banqueta de vime e chamou os gêmeos, de 6 anos de idade, para uma conversa emocionada, honesta e franca. Papai precisava ir embora, mas ficou combinado que sempre os veria nos finais de semana. As crianças não entendiam muito bem aquela situação, mas o pouco que compreenderam foi o suficiente para que chorassem bastante, pedindo para que o pai não fosse embora.

Ao presenciar aquela cena, Beatriz chorava no canto da sala, inconsolável. Sabia que um amor tão bonito se transformaria, depois de muitos momentos inesquecíveis, em “bom dia”, ou em telefonemas irregulares do tipo: “Olá, Beatriz. Tudo bem de eu levar os meninos no zoológico, no sábado?”. Enfim, era o fim. Aderbal não fez questão de quase nada. Ele só levou um livro do Jorge Luís Borges e o seu cavaquinho Rozzini, debaixo do braço, despediu-se rapidamente da agora ex-mulher e dos filhos, e foi embora, sem mais.

Na faculdade de jornalismo, eu tive um professor com um senso de humor impagável, chamado Guilherme Maia. Um belo dia, conversávamos sobre “coisas da vida” no intervalo de uma das aulas, juntamente com o meu camarada Alex Jordan, sendo que o assunto, de uma hora para outra, foi cair em casamento. Macaco velho de vários carnavais, o mestre resolveu nos transmitir a “teoria da vaquinha” (espero que vocês ainda não a conheçam).

Pois bem, a teoria consiste na ideia de que, quando nos casamos, meio que sem saber, levamos uma vaquinha imaginária conosco (isso mesmo, branquinha com manchas pretas e tudo!), para dentro da nossa relação. Isso significa dizer que, a depender do nosso comportamento, a vaquinha, serelepe e inocente, segue a passos largos rumo ao brejo. Em verdade, nos dias atuais, de capitalismo selvagem e perda de valores, a tendência é a de que a vaquinha vá para o brejo sempre – poucas acabam se salvando e conseguem voltar para os campos verdinhos, cheios de grama suculenta (acreditem). Pode ser que façamos a proeza de livrar nossa vaquinha da sujeira e frieza do brejo, mas é difícil.

O que eu quero dizer é que o técnico Tite, do Internacional, já deveria ter colocado seus bons livros e o seu cavaquinho debaixo do braço, assim como fez o Aderbal, agora, o ex-da Beatriz. Ele é competente e dotado de um caráter raro no futebol brasileiro, mas já perdeu o controle do grupo que tinha em mãos, até certo tempo. Sob o comando do colorado, ele conquistou a inédita Sul-Americana e um Campeonato Gaúcho de forma invicta, criando uma relação carinhosa com a instituição Inter, seus torcedores e a própria imprensa esportiva (sempre temida).

Hoje, Tite não consegue mais colher bons frutos dessa relação, que por sinal sofre um desgaste semelhante ao do ex-casal Aderbal e Beatriz. Ele é visto com desconfiança no clube, deixou de ter o apoio dos torcedores e parece, de certa forma, boicotado por alguns jogadores de reconhecida qualidade, mas, que por alguma circunstância estranha, que nos foge, parecem ter desaprendido a fazer o que de melhor sabem: jogar futebol. O técnico anda pressionado, dormindo mal, causando, indiretamente, um mal-estar na própria família, preocupada com as preocupações dele.

Confuso, perdido, Tite virou um técnico comum rapidamente. O que eu entendo como comum? Explico. Quando o time vai mal em campo (como no segundo tempo do último Gre-Nal e do jogo contra o São Paulo), ele não substitui quem está comprometendo por puro receio de errar na alteração. Ele não muda nada, até a equipe sofrer um gol. Ao se desenhar uma derrota eminente, o treinador do Internacional resolve, então, fazer as trocas necessárias, naturais, vitais para que as coisas funcionem, para que os jogadores melhorem na partida, fortalecendo o coletivo. Mas aí já é tarde. E assim se fazem as derrotas em tudo na vida: o medo convive com elas. Você tem medo de errar ou medo de amar (ou ambos)? Cuidado: sua vaquinha está perto do brejo - ou já totalmente atolada nele.

Tite não merece o que está passando no Inter. De tão competente e prestigiado, mesmo com a atual fase insuportável, não será demitido, pois conta com a total aprovação de Fernando Carvalho, vice-presidente e homem forte do futebol do colorado. Só vai embora se pedir, mas ele não pede, acredita na recuperação dele, do grupo que comanda e, óbvio, da vaquinha que está bem pertinho do brejo. Se pegasse seu cavaquinho, como o Aderbal, Tite ganharia um emprego em outro grande clube rapidamente, talvez um time árabe, desses xeiques milionários que pagam em "petrodólares". Teria uma nova chance para voltar a ser o que era e recuperar sua autoestima. O Internacional também ganharia um recomeço providencial com o choque referente ao término dessa longa relação.

Mas Tite ainda não teve a serenidade e a coragem de Aderbal. É uma pena.

3 comentários:

Unknown disse...

ótimo texto Murilo!

Cara, aproveito o ensejo para te indicar um estudo recente sobre jornalismo e literatura. Olha o link: http://gjol.blogspot.com/2009/07/fronteira-entre-jornalismo-e-literatura.html

Espero que goste!

Unknown disse...

Opa, esuqeci de dizer, aqui é Daniel Quirino, logado no meu trabalho!

Murilo Gitel disse...

Obrigado Daniel!

Te agradeço pelo acesso, comentário e indicação.

Vou dar uma olhada agora mesmo.

Um forte abraço!