sábado, 8 de agosto de 2009

Antes da partida

Imagem: fataetoile/Cinzia Rizzo torn tra una setimanna
Lúcio queria evitar a dramática, a derradeira despedida. Sabia que precisava partir, apenas, acometido por uma sensatez que, de certa forma, lhe machucava. As circunstâncias, pensava ele, deveriam ser consideradas por Cláudia. Sim, deveriam. Em um primeiro momento, ela fingiu concordar com aquela partida anunciada assim, tão abruptamente.

- Vá! Se for ser para o seu bem, para o seu futuro, vá, Lúcio!
- Eu preciso ir, será mesmo importante, mas...

Em seguida, os silêncios intermináveis ganhavam a cena. Eles eram comuns naquela relação estranha, embora intensa e muito bonita. E o casal caminhava assim pelas ruas da Cidade que Dorme, acompanhados por um silêncio profundo e perturbador. Ao mesmo tempo, Lúcio e Cláudia seguiam sem direção. Era sempre assim: eles gostavam de passear por caminhos incertos, sem um destino pré-definido. Caminhavam por caminhar. Eles estavam juntos. Nada mais importava.

Mas, com o passar do tempo, Lúcio ganhou uma oportunidade de vida melhor, chance esta que incluía a mudança de país, a reconstrução de planos, uma reviravolta fortuita. No entanto, Cláudia não poderia ir junto – não que ele impedisse. Em verdade, apesar do amor que sentia pelo rapaz, ela não queria deixar a família, tampouco a Cidade que Dorme, mesmo com todas as suas calamidades sociais e poucas perspectivas.

Rapidamente, a união do casal ficou estremecida. Eis o drama de Lúcio, um jovem que sobreviveu a uma realidade difícil numa das regiões periféricas do município onde houvera sido criado, mas, que, pela primeira vez, encontrava uma chance de progredir, galgar um futuro promissor, mesmo que para tal houvesse a necessidade de dolorosas renúncias.

Ao tomar conhecimento de que Lúcio estava decidido a ir embora, Cláudia ficou extremamente magoada, embora procurasse disfarçar aquele sentimento, para que o seu companheiro não percebesse tamanha tristeza. Mas não teve jeito. No silêncio de seu quarto, ela rasgou todas as cartas de amor que recebera durante os anos de relação entre os dois.

Tempos depois, implorou para que ele não telefonasse mais, deixasse de enviar e-mails, se esforçasse para esquecê-la definitivamente. Chegou a afirmar que fazia questão de não receber mais as crônicas de Lúcio, sempre tão admiradas e elogiadas, porque não as lia, e as achava mal escritas. Ele sorriu, sem acreditar.

Cláudia precisava recomeçar. Na sua concepção, o recomeço requer o esquecimento. Não há como dissociá-los.
E eles nunca mais se falaram.
E ela esqueceu o que ele lhe dissera antes da partida.

Eram só palavras. Ou não.

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