quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Crônica de um racismo desnudado por si mesmo

Por Carlos Eduardo Freitas [cadusongs@yahoo.com.br]

Aproveitando-se do ‘gancho jornalístico’, como diria um dos jargões da profissão, divagarei, em meia dúzia de linhas não tão tortuosas, nem tão pouco acertadas, minhas reflexões sobre a aprovação na Câmara dos Deputados, em Brasília, na semana passada, do Estatuto da Igualdade Racial – minimizado pelos caprichos senhoris da branquitude, agora oposicionista, dos velhos pe-fe-les (de PFL, hoje Democratas, ou apenas Demo, ops, DEM)!

Balizando minha fala por uma irrepreensível crítica de Edson Lopes Cardoso, do Jornal Irohin, gostaria de contar-lhes uma história real, mas que pareceria com roteiro do Casseta e Planeta, se não fosse o teor cruel por trás dele. Antes de qualquer coisa, destacarei a seguinte citação do artigo de Edson: "fato é que os negros vivem em um mundo em que se sabe de antemão muita coisa sobre eles. Impressiona a quantidade de informação que o olhar racista pode colher em um rosto negro. Os negros são no Brasil a evidência pública de um conjunto de delitos”.

Salvador, tradicional sol a pino, e uma viagem supostamente tranquila em um buzú – que os mais impolutos cismam em chamar de ônibus que faz o transporte público na capital baiana. Tudo ia bem até um jovem negro, aparentando ter uns 19 anos de idade, levantar-se da poltrona onde estava sentado ao fundo do coletivo, que saíra há sete minutos da Estação Mussurunga, rumo à Lapa.

O pânico se apoderou da maioria dos poucos passageiros (perdão pela gafe gramatical!) que viajavam naquele buzú. O jovem negro ficou próximo ao motorista, com cara de poucos amigos, em – como diriam os policiais – ‘atitude suspeita’. As mulheres agarravam suas bolsas, esbugalhavam os olhos, tremiam internamente. Esperavam que em uma fração de segundos aquele jovem anunciasse o assalto!

A tensão aumentara. O jovem puxou a cigarra, pedindo parada para o próximo ponto - um que dá acesso ao Bairro da Paz (estereotipadamente conhecido pelos soteropolitanos como um dos mais violentos da cidade). Os elementos colhidos, preconceituosamente, daquele rosto negro se concretizavam. ‘Ele olhava desconfiado para trás’, parecia mesmo que iria ‘aprontar algo’.

Momento de frio na barriga. O jovem negro se preparou para saltar do ônibus – ‘é agora’?! “Tcharam! Peguei vocês, hein! Estavam morrendo de medo, achando que eu ia assaltar o buzu, né?! Bonito!...” – aquele jovem negro esculachou em tom de ironia, deboche e repreensão. Ele, apenas, entrou no jogo racista daquelas mentes que o pré-julgavam e foi à forra quando viu a cara de bocós que eles fizeram ao perceberem-se desnudados em seu preconceito racial.

Sem mais.
*Carlos Eduardo Freitas é jornalista e escritor. Colabora com este Blog desde janeiro de 2009.

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