terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Comida para quem tem fome - Gentes in Lugares

Foto: Carlos Eduardo Freitas
Por Carlos Eduardo Freitas [cadusongs@yahoo.com.br]*
Quando a coroa lusitana aportou no antigo Bairro da Praia, lá nos idos de 1500, trazia consigo planos escabrosos de construção de uma cidade planejada, uma “Brasília do século XVI”, como descreverá em certa ocasião o escritor Edson Carneiro. O que a corte lusa não imaginava era que este lugar, nos dias atuais de crise financeira internacional, abrigaria em suas ruas-aterros-marítimos, um lugar que serve de entreposto para os clamores fulminantes de estômagos vazios.
O que era, em 29 de março de 1549, o Bairro da Praia, onde a Cidade do Salvador da Baía de Todos os Santos nasceu, hoje é o bairro do Comércio. Em um daqueles prédios da Avenida da França, logo cedo é possível ver uma movimentação de pedintes, vendedores ambulantes, idosos, gente com cara de quem vem de longe para passar o dia inteiro na cidade grande, no intuito de resolver todos os problemas que lhes faltam onde moram – exames médicos, previdência social, serviços de intermediação de mão-de-obra e tantos outros...
A partir das nove e meia da manhã, já é possível avistar uma fila indiana se formando. O que querem? Galgar uma vaguinha para aquilo que será servido das onze da manhã às duas e meia da tarde: 2.300 refeições populares. O Restaurante Popular do Comércio, mantido pelo governo estadual, oferece a muitos desvalidos de oportunidades, nessa idiossincrática sociedade um belo e saudável almoço, com direito a suco de 250ml e sobremesa, por apenas R$ 1. Isso mesmo, um real!
Já vi pessoas torcendo a cara quando alguém comenta algo sobre o restaurante. Do tipo: “Deus é mais! Nunca comerei num lugar destes”! Bôbo, não imagina o que está perdendo. Este blogueiro ainda não provou os três tipos de pratos servidos no tal estabelecimento. Mas, quem fica diariamente na fila não titubeia na hora de fazer propaganda do local: “o rango é uma maravilha. E ainda, é elaborado por nutricionistas”.
Quem acha que pagar em um self R$ 29,70, nos restaurantes chiques do mesmo bairro, é algo a ser comemorado, não sabe que são verdadeiros tolos. Esnobar este projeto que sacia a fome de quem não tem muitas outras coisas para se saciar é, no mínimo, estupidez. Viva o prato popular, viva ao Bairro da Praia, viva a Coroa portuguesa por ter planejado esta cidade que vive sendo “desplanejada”, por seus mais ilustres e sagazes moradores.
“Você tem fome de quê?”...

*Carlos Eduardo Freitas é jornalista, assessor de imprensa da Associação dos Gestores Governamentais do Estado da Bahia e colaborador deste Blog desde janeiro de 2009.

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