terça-feira, 31 de março de 2009

Desventuras de um ‘soldado’ invisível ou desvarios sobre a loucura - Gentes in Lugares

Foto: filhodeumdeusmenor

Por Carlos Eduardo Freitas [cadusongs@yahoo.com.br]

Para quem acha que já viu de tudo nesta vida... Peço licença para narrar uma história de tristeza e de desventuras em série. A história de um soldado que, quando gente grande, tornou-se aquilo que é mais temido no mundo genuinamente imagético: a invisibilidade. É, caros leitores, este é um conto verossímil da vida de infortúnio de um pobre homem... Ou, quando loucura, devaneio, vício e razão, são unidos por uma tênue teia.

Ele morreu? Perguntaria logo os mais sensacionalistas. Não! Responderia os mais dramáticos! Aconteceu coisa pior, ele vive uma morte anunciada a cada instante, ele perdeu o sentido da dignidade humana, ele rasteja, ele defeca em si próprio, ele excrementa o resto do sentido que lhe restou e só tem forças para pedir um belo e encorpado copo de cachaça. Rechaçariam.

Mirá-lo com o olhar? Quem se arrisca! Aqueles que o fazem são logo aliciados a ajudá-lo no vício, ou serio na fonte que o mantém vivo?! ‘Soldado’, era um homem forte, vigoroso, simpático... Ninguém sabe ao certo o que o levou a chegar a tal estado. Todos sabem que ele existe. Quase ninguém o percebe... Quem tem coragem olha e ver. Ver um colchão velho, imundo, alocado em um dos patamares da praça da Igreja Matriz do bairro de São Cristóvão. O colchão, com uma crosta de sujeira, feses de gente e de cachorro, urina e vômito serve de abrigo para ele.

Há uns dez anos tentaram levar ‘Soldado’ para uma clínica de tratamento, deram-lhe banho, apararam o cabelo e a barba... Mas ele voltou. Voltou para a rua, ou melhor, para a praça. Ali é seu lugar. Chuva, sol, relento, calor, frio não o afastam de lá. Fome, sede... Necessidades essenciais para nós, pobres mortais, para ‘Soldado’, não! Isto aparenta ser para este homem algo fútil, como comer um Mc Lanche feliz. Ele só bebe (álcool), rasteja, mendiga e fede. Isto, talvez o odor seja a coisa que o torna real.

Tem gente que só falta pisar do miserável homem. Esta condição, no entanto, leva àqueles, como este cronista que vos escreve - inconformados com os moldes sociais pré-estabelecidos e estereotipados -, lugar-comum, a pensar: Até que ponto o louco, o invisível, o miserável é este homem, o tal ‘Soldado’? Não seríamos nós também, dementes seres racionais? Quem garante que nossa idiossincrasia é a mais correta do universo? Como diria um velho amigo dos tempos de quartel: “um ponto-de-vista é apenas a vista de um ponto”.
*Carlos Eduardo Freitas é jornalista, assessor de imprensa da Associação dos Gestores Governamentais do Estado da Bahia e colaborador deste blog desde janeiro de 2009.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Jardim Aparecida

Ai, Jardim Aparecida
Quem foge da ventania quente de tuas balas perdidas
Quem samba teus sambas ferventes, em tuas noites festivas
Quem sobe tuas ladeiras de pedras, que chamas de escadarias
Renasce diariamente com um certo quê de homem insistente

E se não morre em acertos de contas hostis
Tampouco padece na mesa sem leite e com pouco pão
Cresce, com sorte, então, um milagre: com algum respeito
Vai pro estudo de tênis surrado, resiste a qualquer preconceito

Pena na escola da vida
Paga transporte caro ou mesmo vai a pé
Olhem: lá vai o maloqueiro, filho da pobre ralé
É de lá que ele vem,
todo o cuidado é pouco num mundo tão violento

Fala, sem discernimento: mãe, serei doutor
Seja inocente, meu filho, seja apenas inocente
que o resto é consequência da providência divina
Mas, mãe... Onde é a faculdade dos inocentes?

E serão sempre brasileiros, esses vileiros
Batucam no chão dos terreiros
Toca pro santo que ele gosta
Bate nesse tambor, tamboreiro

E quem é Fabiano num livro de Graciliano
Aprende na carne a lição das coisas
E quem com o álcool das madrugadas esquece, evapora e some
Ou aprende nas armadilhas que a pior raposa dos homens
nada mais é que o próprio homem
Quem vento negro escapa numa canção de Fogaça
Quem poeta é companheiro num verso de Jayme Caetano Braun
Quem gibranianamente é eremita, no mundo dos estranhos
Ou na solidão do quarto sonha com o cessar dos tiros
E sobe ligeiro, ou manco, para celebrar a vida
Quem assim vive, não morre
Vai virar milagre da santa, no alto da gruta de anil
Vai virar poeta de morro, com versos de Benzetacil
Virando cachaça de novo nos bares dos meses de abril
Se torna gol de Aloísio no fim do segundo tempo
Enredo da bela Bem-Vinda: "Sem lenço e sem documento"
Esquece o caminho de volta
Recebe do povo a revolta
E um tanto de ressentimento
Sem que estivesse morto, ainda.

Centenário colorado: Rolo Compressor - o primeiro grande time do Inter


Entre as décadas de 1940 e 1950, o Internacional montou um dos melhores times da história do futebol brasileiro: o intitulado "Rolo Compressor", que impiedosamente passava por cima de seus adversários, graças ao talento de craques como Tesourinha, Villalba, Nena, Alfeu, Carlitos, Ruy, Ávila, Abigail e Russinho.
Para o radialista e compositor baiano Milton Santarém, fundador do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb), aquela equipe não encontraria outra do mesmo nível até os dias de hoje. "Só para você ter ideia, eu lembro da escalação daquele time até hoje. Era uma verdadeira seleção", lembrou.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Centenário colorado: com a ajuda do Youtube, blog reproduz grandes momentos


O Sport Club Internacional, conhecido como o clube do povo do Rio Grande do Sul, completará cem anos de história no dia 4 de abril. Fundado em 1909 pelos irmãos Poppe, o colorado gaúcho foi o primeiro clube do Estado a aceitar jogadores negros no time, ajudando a quebrar um preconceito histórico alimentado pelos demais clubes do Sul do Brasil. Atualmente, o Inter é o clube brasileiro com o maior número de sócios em dia, cerca de 80 mil, e conta com o 2º maior orçamento do futebol brasileiro, atrás apenas do São Paulo.
Ao longo deste século de história, o Internacional é o único clube brasileiro que conquistou, ao menos uma vez, todos os títulos que já disputou, o que lhe dá a alcunha de "campeão de tudo". É o maior campeão estadual do Rio Grande do Sul, com 38 conquistas, três vezes campeão brasileiro (único invicto, em 1979), campeão da Copa do Brasil, Libertadores da América, Mundial da Fifa, Recopa Sul-Americana (Tríplice Coroa) e Copa Sul-Americana (único brasileiro a conquistá-la).
Nesta sexta-feira, 27 de março, você assiste a mais um vídeo histórico sobre o Inter.

Parabéns, Porto Alegre





Porto Alegre, cidade onde eu nasci, completa 237 anos de história nesta quinta-feira, 26 de março. Nesta mesma data, no ano de 1772, nascia a capital dos gaúchos, que ganhou primeiramente o nome de Porto de São Francisco dos Casais, abreviado em 1810 para a nomenclatura pela qual é atualmente conhecida.
Êh, saudade!

quarta-feira, 25 de março de 2009

CDCN cobrará cumprimento de acordo entre programas de TV sensacionalistas e MPE

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão
Carlos Marighella (Rondó da Liberdade)

A apologia aos métodos de tortura, principalmente quando os torturados em questão são os negros da periferia, é uma das principais características de programas de TV sensacionalistas de Salvador (BA), tais como o "Se Liga Bocão" (TV Itapoan), "Que Venha o Povo" e "Na Mira" (TV Aratu).

O Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN) se reunirá com o promotor Almiro Sena, da Promotoria de Combate aos Crimes Raciais, nesta quinta-feira, 26 de março, às 11h, a fim de denunciar o não-cumprimento de um recente Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado pelos diretores dessas emissoras e o Ministério Público Estadual (MPE-BA).

No mesmo encontro, o CDCN e as organizações do movimento negro que atuam pelo fim do racismo nas mídias, tratará, também, da portaria baixada pelo delegado chefe da Polícia Civil, em maio de 2008, para conter os delegados que têm sido coniventes com os abusos da imprensa, ao possibilitarem a exibição de imagens de presos sob custódia do Estado a esses programas televisivos.

Atualmente, até mesmo os corpos e as perfurações de balas são mostradas em plena manhã e ao meio-dia, assim como são estimulados conflitos entre vizinhos. O único objetivo dos diretores desses programas e emissoras é o alto índice de audiência que ostentam, graças a criminalização de homens, jovens e mulheres negras.
"Televisão é uma concessão pública e se as regras de proteção da imagem estão sendo violadas e o Estado nada faz, então o Estado é Co-participe, pelo ato de omissão pública. E em pleno estado democratico de direito, onde todas as instituições estão funcionando, não podemos suportar tal ofensa em silêncio. Que o argumento da censura não seja manipulado para violar nossos direitos", destacou Vilma Reis, presidente do CDCN, em comunicado oficial.

Em nome
da responsabilidade social e da ética no jornalismo, e em defesa dos direitos humanos, este blog apoia esta luta e se coloca a disposição para ajudar no que for preciso!

Reflexão: ONU celebra o Dia Internacional em Memória às Vítimas da Escravidão

Foto: Fábio Panico
A foto acima é referente à estátua de Mãe Preta, obra erguida próxima a Praça da Sé, em São Paulo, pelo artista plástico Júlio Guerra, em 1955. É uma homenagem às mulheres negras que davam leite aos filhos de seus "proprietários" em detrimento de suas próprias crianças. Nesta quarta-feira, 25 de março, as Nações Unidas celebram o Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravidão e do Comércio Transatlântico de Escravos.
Sem dúvida alguma, uma data que nos remete a uma reflexão: se a escravidão oficial não existe mais, porque o racismo ainda é tão latente em nossa sociedade?

terça-feira, 24 de março de 2009

Primeiras fotos do segundo final de semana na Ilha de Vera Cruz (BA)

Foto: Murilo Gitel - 22/3/09O Terno de Reis Estrela (foto acima) é um dos mais tradicionais da Ilha de Vera Cruz (BA). A manifestação cultural é organizada e celebrada em Santo Amaro de Jiribatuba, anualmente, nos dias 5 e 6 de janeiro. O festejo é uma alusão aos três reis magos, que, de acordo com a Bíblia foram os primeiros homens a encontrarem o menino Jesus, recém-nascido, numa modesta manjedoura de Jerusalém. Eles teriam sido guiados por uma estrela.


Foto: André Luís Gomes - 22/3/09
Do mangue para à praia. Da esquerda para à direita, Adílton Borges, Murilo Gitel, Alex Jordan e Carlos Eduardo Freitas - a equipe responsável pela gravação do documentário na Ilha de Vera Cruz. Momentos antes desta foto ser registrada, estávamos de olho no duro cotidiano de espécies de sururus e caranguejos, na luta pela sobrevivência.

Aguardem, porque outras fotos virão por aí!


Crônica de um folguedo charlatão - Gentes in Lugares

Por Carlos Eduardo Freitas*

O cenário é o mais inóspito possível. De um lado ouve-se uma insistente canção evangélica, um som estéreo que ressoa de um microssistem improvisado, do vendedor ambulante de CDs piratas: “Entra na minha casa, entra na minha vida, mexe com minha estrutura...”. Do outro lado a senhorinha, de lenço na cabeça, oferecia uma pomada para curar reumatismo, aos berros. Mais bancas de camelôs, mais gritaria, mais música – agora, um arrocha brochante!


Toda essa miscelânea era recheada por centenas de transeuntes que, para cima e para baixo, deixavam as escadarias da Estação da Lapa, sentido avenida Joana Angélica, muito mais congestionada. Mas algo se destacava. Talvez pela esperteza. Há quem diga que “pelo charlatanismo”. Este que vos escreve sente arrevelia só de pensar. O que seria então tal cena?


Um homem bem eloqüente e veloz no movimento das mãos, aparentemente solitário, vai ziguezagueando três conchinhas de metal. Em uma delas há uma pequena bola preta, de borracha. O palco para tal apresentação circense, às avessas, é um tabuleiro improvisado com caixas de papelão. Com cédulas de R$ 50 em uma das mãos o famigerado apresentador-ilusionista-espertalhão vai chamando a atenção das vítimas – digo: espectadores-participantes-voluntários. “Quem vai casar cinquentinha aqui?


Quem descobrir em que concha está a bolinha preta ganha R$ 100”. Como dimdim é uma linguagem universal, ainda mais quando há a possibilidade de obtê-lo com facilidade, o resultado não poderia ser diferente: em minutos, o tabuleiro está cercado de curiosos apostadores. Coitados, não sabem o que está por trás dessa “distração”! Para os desatentos, lamento informar, mas este truque esconde uma verdadeira quadrilha de extorsão, que atua em locais aglomerados, na grande Salvador.


O cara que chama atenção conta com o apoio de dois comparsas que ajudam a driblar a atenção dos apostadores, arriscando enormes quantias e convencendo a vítima a apostar também. Eles sempre indicam a concha errada. Aqueles que se concentram e acertam a concha onde está a bolinha correm o risco de serem assaltados, tão logo se afastem da roda de curiosos.


É que tem mais dois comparsas que ficam à parte, vigiando, esperando as cobaias sortudas. Acreditem caros internautas. Isto não é um conto. É uma crônica que até foge ao meu estilo literário suave. Mas, em tempos de crise financeira internacional (olha ela de novo!), todo cuidado com nosso pobre dinheirinho é pouco.


*Carlos Eduardo Freitas é jornalista, assessor de imprensa da Associação dos Gestores Governamentais do Estado da Bahia e colaborador deste blog desde janeiro de 2009.

domingo, 22 de março de 2009

Nosso retorno à Jiribatuba contou até com Terno de Reis improvisado


Cheguei há pouco de Santo Amaro de Jiribatuba (BA), povoado da Ilha de Vera Cruz (BA), onde passei o final de semana em companhia dos jornalistas Adílton Borges, Alex Jordan, André Luís Gomes e Carlos Eduardo Freitas, para a segunda fase de gravação do documentário que estamos realizando a respeito daquela localidade. Foram centenas de imagens para vídeo e fotografias, sem falar nas entrevistas em áudio.

Na manhã deste domingo, 22 de março, tivemos um dos momentos mais emocionantes de nossa jornada até então: a população local nos presenteou com uma apresentação improvisada do Terno de Reis Estrela, que costuma se apresentar nos dias 5 e 6 de janeiro de cada ano. O fato de esta cultura tradicional feita pelo povo ainda estar de pé nos cativou grandemente. É impressionante como a simplicidade pode ser, ao mesmo tempo, tão rica.
Mais uma vez, fomos extremamente bem recebidos por todos. Comerciantes, pescadores, andarilhos, não importa: foi muito bom ouvirmos, mais de uma vez, o muito obrigado de muitas Marias, de tantos Antônios, que não costumam ser valorizados nos meios de comunicação, mantendo suas histórias de vida ocultas. Reiteramos na prática, a nossa filosofia de não sermos "jornalistas de aquário" - acostumados com os ares condicionados das salas de redação (residências fixas...) e dependentes compulsivos de internet com banda larga...
Jorge Amado já dizia que o melhor que a Bahia tem para oferecer é o seu povo, porque tudo vem dele, dessa riqueza popular que não pode ficar escondida. E o jornalismo na minha concepção é isso: é conversar com o povo nas ruas, sentir os cheiros das ruas, apreender as ambiências ao máximo para depois transmiti-las a quem ainda as desconhece. É olhar nos olhos das pessoas. Ouvir mais do que perguntar, sem deixar de lado a responsabilidade social e a ética.

Ainda nesta semana, publico aqui no blog alguns vídeos de nossa autoria lá pela Ilha, além de reportagens fotográficas sobre o lugar e arquivos de áudio. Fiquem atentos!
*Atualizada com foto às 18h03, de segunda-feira, 23 de março de 2009.

terça-feira, 17 de março de 2009

O Zé do quebra-queixo - Gentes in Lugares

Foto: Fuleiragem.typepad.com
Por Carlos Eduardo Freitas*
Quebra-queixo?! Vai um aí? Não! Calma, caro internauta. Não há ninguém distribuindo socos no queixo das pessoas não! A oferta se trata de uma iguaria que os baianos muito conhecem. O grito, em forma de apelo publicitário de botequim, é de Seu Zé. Um não muito bem humorado senhor, mas que não deixa de fazer graça quando a pauta é vender o doce. Doce?! Pois é, para os mais desinformados, quebra-queixo é um doce feito com coco ralado, açúcar, limão e água.

Parece a conhecida cocada, mas possui viscosidade e dá muito trabalho para comer. O gosto, no entanto, compensa o esforço. Assim como tudo o que é bom neste mundo, não é mesmo?! Não se sabe ao certo a verdadeira origem da guloseima, mas há sempre aqueles gaiatos que arriscam: “Acredito eu que o nome foi dado por uma pessoa que errou na receita, por isso o doce é tão duro”. Mas quem já o provou sabe que, quando bem feito, o quebra-queixo arranca sonoplásticos suspiros de quem o degusta. Quer saboreá-lo?


A dica deste jornalista que por hora vos escreve é a seguinte: Desça a Rua Chile, sentido Praça Castro Alves, e bem ali, próximo à agência do Bradesco, você encontrará Seu Zé, com o tabuleiro repleto do doce, cortadinho em tabletes, enrolados em papel manteiga, prontos para o consumo. Não se espante se ele não responder seu “bom dia”! Compre logo, pague e saia correndo. Para saborear, é claro! Antes da crise financeira internacional o tablete (pedaço) do quebra-queixo custava R$ 0,50. Mas agora, vai se saber!!!
*Carlos Eduardo Freitas é jornalista, assessor de imprensa da Associação dos Gestores Governamentais do Estado da Bahia e colaborador deste Blog desde janeiro de 2009.

Azul da cor do mar (?) ou a crise chegou no buzú

Foto: Henrique Vicente

Caramba, que crise é essa? Eu cheguei no trabalho há cerca de uma hora, não sem antes passar 40 minutos de aperto no Canabrava/Pituba, juntamente com algo em torno de 60 abnegados/enlatados que sofrem, diariamente, todas as humilhações possíveis momentos antes do trabalho nosso de cada dia. Mas a manhã desta terça-feira, 17 de março, foi um pouco mais alegre, porque a partir do ponto da Bridgestone, em plena Avenida ACM [o avô], adentrou no buzú um músico fã de Tim Maia - sim, o saudoso e possante Tim.
Camisa regata, um velho calção de banho (como diria Caymmi), tênis esportivo surrado e um violão dentro da capa. Foi com este visual que o violonista entrou pela porta da frente, cumprimentou o motorista e foi parar em um dos bancos lá de trás, defronte a boa figura humana que é o cobrador. Ele passou quase que despercebido por nós, os usuários do coletivo, que aproveitávamos os últimos minutos de compensação sonífera, até que ele retirou o instrumento da capa e executou o primeiro acorde. Em seguida, virou a atração do ônibus, ao declamar os versos:
"Ah, se o mundo inteiro me pudesse ouvir,
tenho muito pra contar,
dizer que aprendi...
Que, na vida a gente tem que entender,
que um nasce pra sofrer,
enquanto o outro ri..."
A partir de então, ele deu prosseguimento a cantoria e passou a emendar canções e mais canções de Tim, num frenético e, ao mesmo tempo melancólico pout-porri. Enquanto isso, o buzú avançava e as pessoas batiam o pé no chão, para acompanhar o ritmo do nosso violeiro urbano. O cara é bem afinado até, pensei. Está certo que não tem um timbre de voz dos mais agradáveis, ao menos para o meu gosto, mas ele me pareceu ser bem mais talentoso do que muita gente que está ganhando a vida ao dizer que faz música, seja na televisão, nas rádios ou nos shows de camisa - tão tradicionais em Salvador.
É a crise meus amigos, somada a falta de oportunidades. Esta crise opressiva que só é capaz de surpreender as mentes ingênuas que acreditaram ser o capitalismo a salvação do planeta, um salto para a modernidade e melhores condições de vida. Sim, cara pálida, mas a quê custo? A despeito de minha breve e pouco aprofundada constatação, o nosso amigo violeiro permaneceu no ônibus, vendendo o seu trabalho em troca de algumas palavras amigas, quem sabe acompanhada de parcas moedinhas - os trocos dos nossos bolsos.
No entanto, não pude deixar de perceber, que, se o socialismo caiu, o capitalismo ruiu e o buzú em seu destino seguiu; nosso amigo cantor, com sua raça incansável de quem acredita em dias melhores e luta com dignidade para sustentar a família, cantou.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Vai um Badejo, aí?

Foto: Murilo GitelEste Badejo, peixe típico das águas da Ilha de Vera Cruz (BA), estava à venda em uma das peixarias do distrito de Conceição, onde também gravamos parte do documentário que estamos produzindo sobre a região. É carne que não acaba mais. Lembrei-me de um Dourado do Rio São Francisco, que saboreei em Juazeiro (BA), em 2008.

Recordo que 12 pessoas comeram o peixe até não aguentar mais, e ainda sobrou carne do bicho. Com um limãozinho, hummmm...

Errata: Ao contrário do que o blogueiro afirmou no texto acima, a peixaria onde foi feito o registro desta foto fica em Barra Grande, e não em Conceição, embora esses dois povoados façam parte da Ilha de Vera Cruz.

Ainda o síndico

Pois é, meus prezados. A novela do síndico-geral que resolveu encarar moradores de classe média de um dos condomínios da região da Av. Paralela, em Salvador (BA), segue dando o que falar. Horas depois de eu ter relatado a respeito da revolta dele, em relação ao descaso dos condôminos, referente ao pagamento da taxa de condomínio, eis que a maioria dos prédios amanheceu sem o papel que ele havia colado nas portas centrais - que indicava quem já pagou e aqueles que estão em atraso.
É evidente que os caloteiros, constragidos, arrancaram o papel das portas. Ao menos, eles não puderam fazer o mesmo com os relatórios fixados na guarita do condomínio, onde ficam os porteiros e seguranças.
Enquanto isso, os funcionários seguem com os salários atrasados...
Esta novela, que também pode ser entendida como a velha política da "luta de classes", promete, ainda, muitos capítulos.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Havia um síndico com coração no caminho/Havia um caminho com o coração do síndico

Foto: Fotemas
Vocês não imaginam como é divertida a vida de alguém que morou 22 anos e meio nos subúrbios da vida, mas passa, repentinamente, a viver em um ambiente classe m... édia! Não, não, não! Não tentem me engambelar! Sei que sequer fazem ideia. É mais ou menos como pegar o Estação Mussurunga lotado 364 dias durante o ano e conseguir uma carona no BMW com ar-condicionado do patrão justamente na véspera do ano-novo.

Mas toda esta minha pseudo-filosofia fajuta serve apenas para dizer que tenho observado atentamente o que tem se passado depois que deixei a Cidade Baixa de Salvador para vir morar na Paralela, esta verdadeira selva de pedras. O primeiro ponto a se destacar são os meus vizinhos aqui do prédio. Nós nunca nos vemos! Trabalhamos, estudamos, nos perdemos o dia inteiro em diversos aspectos e, praticamente, só usamos o lar alugado como dormitório - ou não, como diria Caetano.

De vez em quando, nos cumprimentamos, assim, nos corredores, mais por educação mesmo! É um bom dia xoxo, brochante, sem tesão algum. O bom nisso é que a curiosidade aumenta: "Esta vizinha coroa tem uma cara de tarada da porra! Pobre do marido dela!". "Ih, olha este tiozinho todo deprimido e solitário. Aposto que ele é viúvo, coitado!"...

Lá na vila onde eu fui criado, não havia um único dia em que os vizinhos não trocassem punhados de açúcar ou de sal. Paneladas de feijão também eram compartilhadas (imagino que ainda sejam). Eu, por minha vez, pedia sempre os jornais dos outros emprestados, acho que vem daí o meu espanto.

Mas o que eu quero dizer mesmo, é que o síndico aqui do condomínio é um verdadeiro revolucionário! Ele deve ter morado em Cuba, convivido com Fidel, Che e cia. Só pode! Ele assumiu a política aqui do Paralela Park, Eixo 3, recentemente, desde então, vive de mangas arregaçadas e paciência perturbada. Eis o problema: o conjunto habitacional conta com seis porteiros (que se alternam) e um vigia noturno.

O valor do condomínio é simbólico: R$ 50, em relação ao preço do aluguel: R$ 350. Levando-se em conta a boa localização, dois banheiros e dois quartos por apartamento, até que vivemos bem demais nestes tempos difíceis. Pois bem, o problema, meus amigos, é que, pasmem: quase ninguém tem o hábito de pagar o condomínio. Sim, é isso mesmo que vocês acabam de ler! Na hora de coçar o bolso para retirar a onça-pintada, que aliás só não entra em extinção na época de comprar abadás para o carnaval, a distinta vizinhança finge que o assunto nem é com ela.

Eis o problema: cada funcionário do condomínio ganha um salário mínimo por mês - calma, este, por incrível que pareça, não é o maior problema. O "x" da questão é que eles dependem dos R$ 50 de cada apartamento para receberem, ao final de 30 dias trabalhados, a voluptosa quantia de R$ 465. Eles estão com as suas remunerações atrasadas há bastante tempo.
O síndico
É aí que entra o novo síndico. Revoltado com a situação dos empregados do condomínio, ele resolveu contra-atacar. Há cerca de um mês, fez questão de colar um aviso nas portas centrais de cada prédio com o seguinte conteúdo:

"Prezados condôminos,
até a presente data, praticamente nenhum morador pagou o valor referente aos dois últimos meses do condomínio. Se vocês tem filho em escola particular, saibam que os funcionários do condomínio também têm despesas com os filhos. Se vocês tem a conta do cartão de crédito para pagar, os funcionários também têm. Se vocês precisam se alimentar e vestir, saibam que os empregados, curiosamente, também têm essas mesmas necessidades. Portanto, espero que vocês tenham isso na consciência.

Ass: o síndico geral.

Quando eu li esse recado e vi a reação das pessoas chegando do trabalho, e dando de cara com o aviso na porta, confesso que quase morri de satisfação. Foi algo constrangedor. O constrangimento, é bom que se diga, é a vergonha da vergonha. Se você bufar na frente do seu filho, por exemplo, seria vergonhoso. Mas se o seu filho bufar na sua frente enquanto você conversa com outra pessoa, daí já vira constrangimento, entende? Pois é. Foi isso que eu senti naqueles dias, sem ter bufado...

Mas a rebelião psicológica articulada pelo síndico/sensível/socialista não parou neste mero aviso constragedor, afinal, ele não deve ter se infiltrado com os guerrilheiros cubanos por tanto tempo apenas para isso. Nesta quarta-feira, 11 de março, estou eu chegando do trabalho, quando pego o nosso comandante habitacional em pleno flagrante: ele colava um novo papel em todas as portas de todos os prédios do condomínio. Desta vez, havia o número dos apartamentos com os meses correspondentes quitados ou em aberto.

Explico. Se o apto. 201 do prédio El Salvador tivesse quitado os meses de janeiro, fevereiro e março, lá estavam três xis assinalados, do contrário, um grande risco na vertical cobria os espaços. Na portaria principal, para completar, estão agora todos os relatórios de quem pagou e quem não pagou. É um abuso do síndico geral? É constrangedor? É ilegal?

É claro que, como toda nova ideia é recebida com adversidades, neste caso não foi diferente. A vizinha do Nicarágua não queria deixar o síndico indignado colar o novo aviso no prédio onde ela mora. Será que ela está devendo??? Houve grande discussão, bate-boca, lavagem de roupa suja, ameaças de processos. Só vendo a cena.
Antes de ir para a faculdade, agora à noite, cheguei a ouvir o síndico geral comentar com um dos moradores: é um absurdo, amigo, não consigo nem dormir mais direito pensando no débito com os funcionários. Se ainda fosse uma gente que não tivesse como pagar! Mas, não, todos têm carros, andam com nariz empinado, saem em blocos elitizados no carnaval... Eles não têm R$ 50 para pagar de condomínio???
Confesso que fiquei sensibilizado com a revolta do síndico geral. Ele tem sensibilidade com o próximo e sente revolta diante das iniquidades. Eu, que nasci e fui criado em um universo bem diferente do que estou hoje, devido as circunstâncias, sei bem o que ele sente e procura mudar. Estou muito contente com o constrangimento que essa cambada de discarados está passando.

Tenho cada vez mais satisfação de minha origem, da educação que tive e muita, mas muita saudade da troca das paneladas de feijão lá do Jardim Aparecida, em Alvorada (RS).

Mas, por ora, me sinto orgulhoso deste grande líder que é o síndico geral aqui do condomínio.

terça-feira, 10 de março de 2009

Mino Carta reduz o editorial da Folha ao seu devido significado

Foto: Ricardo Stuckert/PR “O jornalismo brasileiro, desde os começos, serve a este poder nascido na casa-grande, por ter a mesma, exata origem. A mídia nativa é rosto explícito do poder. As conveniências deste e daquela entrelaçam-se indissoluvelmente porque coincidem à perfeição”.
Do jornalista Mino Carta, ao comentar, em artigo na Carta, o editorial da Folha de S.Paulo intitulado "Ditabranda", publicado em 17 de fevereiro.

Causo da capitá: ‘A excêntrica Rosa Amor’

Foto: Carlos Eduardo Freitas/BMGPor Carlos Eduardo Freitas*

Uma pequena margarida presa em um coque, no lado esquerdo da cabeça. Um sorriso acalentador. Os fortes e encantadores olhos. Vestido de chita, enchada em punho e lá vai ela começar a manhã com um ritual corriqueiro: capinar. O cenário é inóspito.

O chão de terra batida, avermelhado, coberto por uma espessa pluma de poeira que é mexida pelo vai-e-vem dos ventos. Um caniço rola ladeira abaixo. O sol, majestoso astro, apresenta seus primeiros e primorosos raios matinais. A manhã de segunda-feira está alaranjada.

Céu claro e um canto suave de cardeais, azulões e pardais dão o tom daquele esplendoroso amanhecer. A velha vitrola tocava exaustivamente uma canção tão antiga quanto ela, do memorável Waldick Soriano. A impressão era que aquele velho senhor, de pele negra e aparência de gladiador, dono da bodega da rua, havia desfalecido num sono profundo, que ronda os amantes da madrugada ao despertar do dia. Mas ela não! Aquela generosa senhora despertara logo cedo, ao cacarejar do canto dos galináceos.

Como uma suntuosa flor, ao brotar miraculosamente de frestas do barro ressequido do sertão nordestino, ela levava, em movimentos lentos, porém firmes, aquela enchada ao encontro das ervas daninhas que cresciam em meio aos canteiros de uma obra de pavimentação abandonada pela prefeitura local. Dona Amor! Somente um nome como este para explicar tamanha dedicação por algo que, ao ver de muita gente da rua, não é da conta dela.

Dona Amor capina o mato que cresce à frente da casa onde mora só, e de alguns vizinhos achegados, sempre que a vegetação indesejável cresce. A castigada mão, de anos de labor, escorre o suor perfumado que germina da testa ondulada, marcas do tempo, de uma senhora que sabe ser pessoa, sabe viver, sabe driblar o que a faz sofrer.

Ninguém sabe ao certo a verdadeira idade da senhora Amor. Falam que “com certeza” já passa dos oitenta. A hora favorita dela é aquela quando, no radinho de pilhas, toca a “Ave Maria”. A humilde casa parece transfigurar-se num santuário. É uma sensação indescritível, mística. Não! Isto não é mais um causo do sertão. É a história real e desconcertante de uma mulher, guerreira, negra, moradora de um bairro periférico da Metrópole Salvador, que tem nome de santo: São Cristóvão.

Se um dia este nobre internauta, que agora lê esta prosa, que poderia em cordel se transformar, de boa reza precisar: vá correndo atrás dela, que tem nome bem fácil de gravar. Desça a rua de terra, sinta o cheiro das ervas e Dona Amor vá encontrar.
*Carlos Eduardo Freitas é jornalista, assessor de imprensa da Associação dos Gestores Governamentais do Estado da Bahia e colaborador deste Blog desde janeiro de 2009.

domingo, 8 de março de 2009

Negro Amor


Composição: Bob Dylan/Versão: Péricles Cavalcante e Caetano Veloso
Interpretação: Engenheiros do Havaii

Vá, se mande,
junte tudo que você puder levar
Ande, tudo que parece seu é bom que agarre já
Seu filho feio e louco ficou só
Chorando feito fogo à luz do sol
Os alquimistas já estão no corredor
E não tem mais nada negro amor

A estrada é pra você e o jogo é a indecência
Junte tudo que você conseguiu por coincidência
E o pintor de rua que anda só
Desenha maluquice em seu lençol
Sob seus pés o céu também rachou
E não tem mais nada negro amor
E não tem mais nada negro amor

Seus marinheiros mareados abandonam o mar
Seus guerreiros desarmados não vão mais lutar
Seu namorado já vai dando o fora
Levando os cobertores? E agora?
Até o tapete sem você voou
E não tem mais nada negro amor
E não tem mais nada negro amor

As pedras do caminho deixe para trás
Esqueça os mortos
eles não levantam mais
O vagabundo esmola pela rua
Vestindo a mesma roupa que foi sua
Risque outro fósforo, outra vida, outra luz, outra cor
E não tem mais nada negro amor

Veja o videoclipe*

*A gravadora Universal não permite a incorporação direta do vídeo por meio do Youtube.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Histórias de milagres envolvem a construção da Igreja de Santo Amaro de Jiribatuba

Texto: Carlos Eduardo Freitas e Murilo Gitel
Fotos: Adílton Borges, Alex Jordan, Carlos Eduardo Freitas e Murilo Gitel
Fonte: "A Ilha de Itaparica", de Ubaldo Osório

Final do século 15. É neste período que alguns historiadores e populares afirmam que começou a vida religiosa em Santo Amaro do Catú. Numa bela colina construíram uma igreja, dedicada à Santo Amaro, um monge beneditino. Era um tempo muito difícil, porque centenas de pessoas que habitavam o local morriam devido a doenças, como a lepra (provavelmente trazida pelos colonizadores portugueses).

Em 1583, teriam morrido 30 mil índios, dos 40 mil existentes à época. Em livros antigos, as datas da suposta fundação da paróquia são desencontradas: 1604, 1606, 1608, 1643 e 1693 são as mais constantes.



Padre João Vieira de Barros relatou que, em 1757, havia 187 fogos na paróquia de Santo Amaro do Catú e 2897 almas (pessoas). Em 1787, foi colocada em Santo Amaro uma companhia de soldados, mais ou menos 75 praças. No passado, Jiribatuba era chamada de Paróquia de Santo Amaro do Catú. Sobre esta localidade, assim fala Ubaldo Osório, no seu livro “A Ilha de Itaparica”: “Muito próximo de Cacha Pregos está Santo Amaro de Catú, freguesia criada em 1643 pelo bispo Dom Pedro da Silva Sampaio” (p. 122).

A igreja do lugar foi edificada no alto do morro, que os primeiros habitantes chamavam Catú, pela sua beleza panorâmica. Santo Amaro do Catu, na linguagem do gentio (pessoas não batizadas), era o mesmo que dizer: “Santo Amaro do morro bonito”. Em 1934, um prefeito famoso por ações inúteis e vazias, ao achar que os primeiros povoadores haviam errado o nome da terra que povoavam, sugeriu um nome que lhe parecera mais expressivo: Santo Amaro de Itaparica.


Milagres, lendas ou excessos da fé?

Três meninos teriam visto um frade falando com os passarinhos numa cajazeira. Eles correram para chamar os pescadores, que nada viram. Numa nova aparição, o frade estava transformado numa imagem. Levaram-na para uma residência, mas, no dia seguinte, reapareceu na cajazeira. O fato repetido determinou a construção de uma igreja, no alto da colina. Um frade beneditino identificou a imagem: era Santo Amaro, da ordem de São Bento.


A imagem tornava-se muito pesada, sempre que tentavam retirá-la do seu lugar. Uma vez, queriam levá-la em romaria marítima. O vento contrário foi tal que tiveram de retornar. A casca da cajazeira é ainda hoje muito procurada para chás que curam qualquer doença; assim como a água da fonte vizinha denominada Fonte do Quintal, ótima para banhar feridas. Relatam-se várias curas miraculosas pela aplicação destes dois medicamentos.


Era marcante a veneração do povo ao lugar da aparição. E bebia com fé do chá feito com a casca da cajazeira, além de banhar as feridas na fonte do Quintal. Está fé é o que interessa e é por causa dela que o padre celebrou missa junto da cajazeira e da fonte do Quintal.
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O povo queria construir uma igreja maior para Santo Amaro. Uns pescadores foram fazer feira em Nazaré. Então um frade disse a eles que tinha um frete de madeira para a construção da Igreja de Santo Amaro. Felisberto e Firmino, os dois pescadores que tinham ido a Nazaré, descarregaram a madeira, no porto de Jiribatuba, para a reconstrução da igreja.

Da madeira embarcada em Nazaré, o frade havia pago o frete. Ninguém de Jiribatuba a tinha encomendado. Os pescadores levaram a madeira até a capelinha, ficaram assombrados ao entrar na Capela e constatar que a imagem de Santo Amaro se parecia demais com o frade que entregou a madeira em Nazaré: novo milagre de Santo Amaro, que teria dado, pessoalmente, a madeira para a reforma de sua igreja.

*Na próxima segunda-feira, 9 de março, a terceira reportagem da série "Tesouros de Vera", aqui no Blog. Em destaque: a desconhecida Revolução do Funil e os mistérios da fonte 'Chico Leite'.

Festa Nave: matéria do blogueiro dos tempos de TVE


Já faz um tempinho. Foi em março de 2007, mas um amigo viu uma das reportagens que fiz para o programa Soterópolis, da TV Educativa da Bahia (TVE-BA) no Youtube, e fez questão de me enviar um e-mail com o link correspondente. Reparem que nesta época, eu assinava "Murilo Alves", em vez de Murilo Gitel, como atualmente. A mudança foi uma sugestão de jornalistas mais experientes, como Márcio de Costa e Silva e a grande professora Silvana Moura.
A reportagem retrata a Festa Nave, importante evento do cenário underground baiano. As imagens são do repórter-cinematográfico Rhamidfan Cardoso, o Rhami, profissional talentoso e dedicado, com o qual aprendi muito. A narração é do meu camarada Zeca de Souza, que também fez a edição em parceria com Roberto Moraes.
O Soterópolis continua sendo a revista eletrônica semanal de informação artística e cultural dos baianos de Salvador. Tem identidade própria, embora tenha se espelhado no Metrópolis, então da TV Cultura - um programa televisivo que dá gosto de ver, porque informa com qualidade e deixa a esperança de ainda haver vida inteligente na TV aberta.

terça-feira, 3 de março de 2009

Tesouros de Vera

Textos: Carlos Eduardo Freitas e Murilo Gitel
Edição: Murilo Gitel
Fotos: Adílton Borges, Alex Jordan, Carlos Eduardo Freitas e Murilo Gitel
O primeiro final de semana de filmagens de nossa equipe na Ilha de Vera Cruz (BA) foi bastante proveitoso. Os jornalistas Adílton Borges, Carlos Eduardo Freitas (à dir. de chapéu), Alex Jordan (ao fundo, de camisa vermelha) e eu (à esq.) realizamos quatro entrevistas com personagens riquíssimos dos distritos de Santo Amaro de Jiribatuba, Matarandiba e Conceição, além de muitas fotografias e imagens.
Em Conceição, um dos povoados da ilha, enquanto nos despedíamos de "seu Nicanor", bisneto de escravos e um dos principais representantes da luta pela reforma da igreja local, uma menina de apenas nove anos, conseguiu nos deixar chocados com o seu próprio espanto. Ela perguntou:

- Vocês são jornalistas?

Respondemos:

- Sim. Por que?

E ela:

- Porque é a primeira vez que vejo jornalistas aqui...

A partir de então, tivemos mais um motivo especial para acreditar na importância do caráter público, o chamado "fazer jornalístico", deste documentário que estamos desenvolvendo. Mas que deu vergonha, deu...


Uma das histórias mais fascinantes e, ao mesmo tempo, preocupantes da Ilha de Vera Cruz envolve a igreja de Nossa Senhora da Conceição (foto acima). Construída pelos escravos africanos no século 16, trata-se do segundo templo religioso mais antigo do Brasil. Lamentavelmente, um espaço que deveria ser tratado como patrimônio histórico e cultural encontra-se em ruínas, como vocês podem ver, abandonado pelo poder público, servindo de motel e de ponto para o consumo de drogas.

Sobre o chão da igreja de Nossa Senhora da Conceição, um preservativo usado ao lado de um toco de cigarro mostra a utilidade que a igreja tem tido depois que foi abandonada.


Mas diante de todo este cenário desolador, há uma esperança: e ela atende pelo nome de José Maria, padre responsável pelo Centro Paroquial de Jiribatuba, mas que celebra missas em praticamente todos os distritos da Ilha de Vera Cruz. Ele luta há mais de 20 anos contra a degradação da Igreja de Conceição, ao enfrentar os especuladores de posses da região, ávidos por construir no terreno onde está localizado o templo. Ele também foi o autor do projeto que busca a recuperação da casa religiosa, junto ao Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional (Iphan).

"Ainda não obtivemos resultados. O projeto está engavetado", explicou o padre José Maria, desolado.

"Seu Nicanor (foto)" é uma das pessoas mais respeitadas da Ilha de Vera Cruz. Bisneto de escravos, sua família herdou as terras de um senhor de engenho generoso (mais detalhes no documentário), que ao alforriar o bisavô deste nosso personagem mais do que ilustre, presenteou-lhe com boa parte dos terrenos que possuía, juntamente com mais dez famílias de trabalhadores.

Uma das maiores tristezas de seu Nicanor é o estado atual da igreja de Nossa Senhora da Conceição, que, segundo ele, foi o palco da grande festa que os escravos deram logo depois que a Lei Áurea foi assinada, no final do século 19, regada a comida e bebida em grande quantidade, e é claro, muito samba de roda.

"Minha única esperança é a luta do padre José Maria, porque eu já lutei demais, estou velho, enxergando mal, enfim. Um homem não pode renegar sua história e deixar de lutar por sua origem. É uma pena que tudo o que é bonito e importante neste país seja derrubado", desabafou, emocionado.

*Nesta sexta-feira, 6 de março, você lê a segunda parte da reportagem fotográfica "Tesouros de Vera". Em destaque, os mistérios que rondam a construção da Igreja de Santo Amaro de Jiribatuba: milagre, superstição ou alucinações causadas pela fé?

Crônica de uma tragédia enunciada

Fotos: Agência A Tarde/Adaptação: Carlos Eduardo FreitasPor Carlos Eduardo Freitas [cadusongs@yahoo.com.br]*
Direita, esquerda. Para um lado e também para o outro... Sandálias havaianas, tênis Nike de trezentos reais, Reebock de cinqüenta reais vendidos por contrabandistas... Chinelos de couro, sapatos sociais, engraxados e também os foscos. Sandálias com saltos médios, altos e exageradamente altos. Rasteirinhas...

Para lá e para cá, são milhares deles transitando por uma passarela, durante todo o dia e também à noite. São eles: nossos pés.

O “Maluco Beleza” em certa ocasião de outrora, alertara: “O dia em que a terra parou...”! Bom, o planeta pode até não ficar na inércia absoluta, mas a região do Iguatemi, em Salvador, pode, qualquer hora dessas, ver sua principal artéria se romper e evidentemente parar.

Quem, pedestre, ainda não parou, ao atravessar a passarela do Iguatemi, para meditar: “Isto aqui está muito velho, há décadas não passa por manutenção e, qualquer dia desses, todo esse arcabouço pode, simples e horripilantemente, ruir”.

Enquanto isso não ocorre, autoridades ficam de braços cruzados em seus gabinetes cheirando a Gleide Bom Ar e centenas de milhares de pés – os que têm, os que pedem, os que não – continuam arriscando suas vidas na louca e desconcertante rotina de cruzar por tal elo, todo santo dia.

O sol cai, a noite vem e a esperança é que, assim como as estrelas ficam firmes na imensidão do céu, que tal ponte seja sustentada por uma força misteriosa que tem a árdua missão de evitar que uma tragédia, que já foi premeditadamente anunciada, enunciada e denunciada
, aconteça.
*Carlos Eduardo Freitas é jornalista, assessor de imprensa da Associação dos Gestores Governamentais do Estado da Bahia e colaborador deste Blog desde janeiro de 2009.