quarta-feira, 11 de março de 2009

Havia um síndico com coração no caminho/Havia um caminho com o coração do síndico

Foto: Fotemas
Vocês não imaginam como é divertida a vida de alguém que morou 22 anos e meio nos subúrbios da vida, mas passa, repentinamente, a viver em um ambiente classe m... édia! Não, não, não! Não tentem me engambelar! Sei que sequer fazem ideia. É mais ou menos como pegar o Estação Mussurunga lotado 364 dias durante o ano e conseguir uma carona no BMW com ar-condicionado do patrão justamente na véspera do ano-novo.

Mas toda esta minha pseudo-filosofia fajuta serve apenas para dizer que tenho observado atentamente o que tem se passado depois que deixei a Cidade Baixa de Salvador para vir morar na Paralela, esta verdadeira selva de pedras. O primeiro ponto a se destacar são os meus vizinhos aqui do prédio. Nós nunca nos vemos! Trabalhamos, estudamos, nos perdemos o dia inteiro em diversos aspectos e, praticamente, só usamos o lar alugado como dormitório - ou não, como diria Caetano.

De vez em quando, nos cumprimentamos, assim, nos corredores, mais por educação mesmo! É um bom dia xoxo, brochante, sem tesão algum. O bom nisso é que a curiosidade aumenta: "Esta vizinha coroa tem uma cara de tarada da porra! Pobre do marido dela!". "Ih, olha este tiozinho todo deprimido e solitário. Aposto que ele é viúvo, coitado!"...

Lá na vila onde eu fui criado, não havia um único dia em que os vizinhos não trocassem punhados de açúcar ou de sal. Paneladas de feijão também eram compartilhadas (imagino que ainda sejam). Eu, por minha vez, pedia sempre os jornais dos outros emprestados, acho que vem daí o meu espanto.

Mas o que eu quero dizer mesmo, é que o síndico aqui do condomínio é um verdadeiro revolucionário! Ele deve ter morado em Cuba, convivido com Fidel, Che e cia. Só pode! Ele assumiu a política aqui do Paralela Park, Eixo 3, recentemente, desde então, vive de mangas arregaçadas e paciência perturbada. Eis o problema: o conjunto habitacional conta com seis porteiros (que se alternam) e um vigia noturno.

O valor do condomínio é simbólico: R$ 50, em relação ao preço do aluguel: R$ 350. Levando-se em conta a boa localização, dois banheiros e dois quartos por apartamento, até que vivemos bem demais nestes tempos difíceis. Pois bem, o problema, meus amigos, é que, pasmem: quase ninguém tem o hábito de pagar o condomínio. Sim, é isso mesmo que vocês acabam de ler! Na hora de coçar o bolso para retirar a onça-pintada, que aliás só não entra em extinção na época de comprar abadás para o carnaval, a distinta vizinhança finge que o assunto nem é com ela.

Eis o problema: cada funcionário do condomínio ganha um salário mínimo por mês - calma, este, por incrível que pareça, não é o maior problema. O "x" da questão é que eles dependem dos R$ 50 de cada apartamento para receberem, ao final de 30 dias trabalhados, a voluptosa quantia de R$ 465. Eles estão com as suas remunerações atrasadas há bastante tempo.
O síndico
É aí que entra o novo síndico. Revoltado com a situação dos empregados do condomínio, ele resolveu contra-atacar. Há cerca de um mês, fez questão de colar um aviso nas portas centrais de cada prédio com o seguinte conteúdo:

"Prezados condôminos,
até a presente data, praticamente nenhum morador pagou o valor referente aos dois últimos meses do condomínio. Se vocês tem filho em escola particular, saibam que os funcionários do condomínio também têm despesas com os filhos. Se vocês tem a conta do cartão de crédito para pagar, os funcionários também têm. Se vocês precisam se alimentar e vestir, saibam que os empregados, curiosamente, também têm essas mesmas necessidades. Portanto, espero que vocês tenham isso na consciência.

Ass: o síndico geral.

Quando eu li esse recado e vi a reação das pessoas chegando do trabalho, e dando de cara com o aviso na porta, confesso que quase morri de satisfação. Foi algo constrangedor. O constrangimento, é bom que se diga, é a vergonha da vergonha. Se você bufar na frente do seu filho, por exemplo, seria vergonhoso. Mas se o seu filho bufar na sua frente enquanto você conversa com outra pessoa, daí já vira constrangimento, entende? Pois é. Foi isso que eu senti naqueles dias, sem ter bufado...

Mas a rebelião psicológica articulada pelo síndico/sensível/socialista não parou neste mero aviso constragedor, afinal, ele não deve ter se infiltrado com os guerrilheiros cubanos por tanto tempo apenas para isso. Nesta quarta-feira, 11 de março, estou eu chegando do trabalho, quando pego o nosso comandante habitacional em pleno flagrante: ele colava um novo papel em todas as portas de todos os prédios do condomínio. Desta vez, havia o número dos apartamentos com os meses correspondentes quitados ou em aberto.

Explico. Se o apto. 201 do prédio El Salvador tivesse quitado os meses de janeiro, fevereiro e março, lá estavam três xis assinalados, do contrário, um grande risco na vertical cobria os espaços. Na portaria principal, para completar, estão agora todos os relatórios de quem pagou e quem não pagou. É um abuso do síndico geral? É constrangedor? É ilegal?

É claro que, como toda nova ideia é recebida com adversidades, neste caso não foi diferente. A vizinha do Nicarágua não queria deixar o síndico indignado colar o novo aviso no prédio onde ela mora. Será que ela está devendo??? Houve grande discussão, bate-boca, lavagem de roupa suja, ameaças de processos. Só vendo a cena.
Antes de ir para a faculdade, agora à noite, cheguei a ouvir o síndico geral comentar com um dos moradores: é um absurdo, amigo, não consigo nem dormir mais direito pensando no débito com os funcionários. Se ainda fosse uma gente que não tivesse como pagar! Mas, não, todos têm carros, andam com nariz empinado, saem em blocos elitizados no carnaval... Eles não têm R$ 50 para pagar de condomínio???
Confesso que fiquei sensibilizado com a revolta do síndico geral. Ele tem sensibilidade com o próximo e sente revolta diante das iniquidades. Eu, que nasci e fui criado em um universo bem diferente do que estou hoje, devido as circunstâncias, sei bem o que ele sente e procura mudar. Estou muito contente com o constrangimento que essa cambada de discarados está passando.

Tenho cada vez mais satisfação de minha origem, da educação que tive e muita, mas muita saudade da troca das paneladas de feijão lá do Jardim Aparecida, em Alvorada (RS).

Mas, por ora, me sinto orgulhoso deste grande líder que é o síndico geral aqui do condomínio.

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