terça-feira, 10 de março de 2009

Causo da capitá: ‘A excêntrica Rosa Amor’

Foto: Carlos Eduardo Freitas/BMGPor Carlos Eduardo Freitas*

Uma pequena margarida presa em um coque, no lado esquerdo da cabeça. Um sorriso acalentador. Os fortes e encantadores olhos. Vestido de chita, enchada em punho e lá vai ela começar a manhã com um ritual corriqueiro: capinar. O cenário é inóspito.

O chão de terra batida, avermelhado, coberto por uma espessa pluma de poeira que é mexida pelo vai-e-vem dos ventos. Um caniço rola ladeira abaixo. O sol, majestoso astro, apresenta seus primeiros e primorosos raios matinais. A manhã de segunda-feira está alaranjada.

Céu claro e um canto suave de cardeais, azulões e pardais dão o tom daquele esplendoroso amanhecer. A velha vitrola tocava exaustivamente uma canção tão antiga quanto ela, do memorável Waldick Soriano. A impressão era que aquele velho senhor, de pele negra e aparência de gladiador, dono da bodega da rua, havia desfalecido num sono profundo, que ronda os amantes da madrugada ao despertar do dia. Mas ela não! Aquela generosa senhora despertara logo cedo, ao cacarejar do canto dos galináceos.

Como uma suntuosa flor, ao brotar miraculosamente de frestas do barro ressequido do sertão nordestino, ela levava, em movimentos lentos, porém firmes, aquela enchada ao encontro das ervas daninhas que cresciam em meio aos canteiros de uma obra de pavimentação abandonada pela prefeitura local. Dona Amor! Somente um nome como este para explicar tamanha dedicação por algo que, ao ver de muita gente da rua, não é da conta dela.

Dona Amor capina o mato que cresce à frente da casa onde mora só, e de alguns vizinhos achegados, sempre que a vegetação indesejável cresce. A castigada mão, de anos de labor, escorre o suor perfumado que germina da testa ondulada, marcas do tempo, de uma senhora que sabe ser pessoa, sabe viver, sabe driblar o que a faz sofrer.

Ninguém sabe ao certo a verdadeira idade da senhora Amor. Falam que “com certeza” já passa dos oitenta. A hora favorita dela é aquela quando, no radinho de pilhas, toca a “Ave Maria”. A humilde casa parece transfigurar-se num santuário. É uma sensação indescritível, mística. Não! Isto não é mais um causo do sertão. É a história real e desconcertante de uma mulher, guerreira, negra, moradora de um bairro periférico da Metrópole Salvador, que tem nome de santo: São Cristóvão.

Se um dia este nobre internauta, que agora lê esta prosa, que poderia em cordel se transformar, de boa reza precisar: vá correndo atrás dela, que tem nome bem fácil de gravar. Desça a rua de terra, sinta o cheiro das ervas e Dona Amor vá encontrar.
*Carlos Eduardo Freitas é jornalista, assessor de imprensa da Associação dos Gestores Governamentais do Estado da Bahia e colaborador deste Blog desde janeiro de 2009.

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