terça-feira, 17 de março de 2009

Azul da cor do mar (?) ou a crise chegou no buzú

Foto: Henrique Vicente

Caramba, que crise é essa? Eu cheguei no trabalho há cerca de uma hora, não sem antes passar 40 minutos de aperto no Canabrava/Pituba, juntamente com algo em torno de 60 abnegados/enlatados que sofrem, diariamente, todas as humilhações possíveis momentos antes do trabalho nosso de cada dia. Mas a manhã desta terça-feira, 17 de março, foi um pouco mais alegre, porque a partir do ponto da Bridgestone, em plena Avenida ACM [o avô], adentrou no buzú um músico fã de Tim Maia - sim, o saudoso e possante Tim.
Camisa regata, um velho calção de banho (como diria Caymmi), tênis esportivo surrado e um violão dentro da capa. Foi com este visual que o violonista entrou pela porta da frente, cumprimentou o motorista e foi parar em um dos bancos lá de trás, defronte a boa figura humana que é o cobrador. Ele passou quase que despercebido por nós, os usuários do coletivo, que aproveitávamos os últimos minutos de compensação sonífera, até que ele retirou o instrumento da capa e executou o primeiro acorde. Em seguida, virou a atração do ônibus, ao declamar os versos:
"Ah, se o mundo inteiro me pudesse ouvir,
tenho muito pra contar,
dizer que aprendi...
Que, na vida a gente tem que entender,
que um nasce pra sofrer,
enquanto o outro ri..."
A partir de então, ele deu prosseguimento a cantoria e passou a emendar canções e mais canções de Tim, num frenético e, ao mesmo tempo melancólico pout-porri. Enquanto isso, o buzú avançava e as pessoas batiam o pé no chão, para acompanhar o ritmo do nosso violeiro urbano. O cara é bem afinado até, pensei. Está certo que não tem um timbre de voz dos mais agradáveis, ao menos para o meu gosto, mas ele me pareceu ser bem mais talentoso do que muita gente que está ganhando a vida ao dizer que faz música, seja na televisão, nas rádios ou nos shows de camisa - tão tradicionais em Salvador.
É a crise meus amigos, somada a falta de oportunidades. Esta crise opressiva que só é capaz de surpreender as mentes ingênuas que acreditaram ser o capitalismo a salvação do planeta, um salto para a modernidade e melhores condições de vida. Sim, cara pálida, mas a quê custo? A despeito de minha breve e pouco aprofundada constatação, o nosso amigo violeiro permaneceu no ônibus, vendendo o seu trabalho em troca de algumas palavras amigas, quem sabe acompanhada de parcas moedinhas - os trocos dos nossos bolsos.
No entanto, não pude deixar de perceber, que, se o socialismo caiu, o capitalismo ruiu e o buzú em seu destino seguiu; nosso amigo cantor, com sua raça incansável de quem acredita em dias melhores e luta com dignidade para sustentar a família, cantou.

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