quinta-feira, 28 de maio de 2009

“Gostaria de entrar e tomar uma xícara de chá”?

Foto: Divulgação
Por Carlos Eduardo Freitas* [cadusongs@yahoo.com.br]

Nas andanças pelas ruas, becos, vielas e lugares outros dessa singular, desigual, mas surpreendentemente insólita capital baiana, encontrei, há exatos quatro anos, com uma figura inusitada: a roqueira Isabella. Aquele encontro, rendeu uma breve amizade virtual nesses dias atuais. Apesar da roqueira não morar em Salvador, ela vai figurar a Coluna Gentes in Lugares dessa semana.

Quero deixar claro que este colunista não está recebendo nenhum tipo de ‘jabar’, mas acredita que o projeto-rock Áiza, que tem como líder, Isabella Maciel, merece ganhar visibilidade. Abaixo um release deste surreal trabalho musical, redigido pelo blogueiro que vos escreve: Pare! Pense rock! Agora pegue todas as tendências e variantes deste ritmo, joguem-nas em um turbilhão de sonoridade criativamente original e, o resultado... Áiza, rock insólito!

Na contracorrente do próprio rock, fazendo-o com trocadilhos e um psicodélico modo de ver a própria vertente musical, a baiana Isabella Maciel faz brotar, como uma rosa no ressequido sertão da cena rock da Bahia, o projeto Áiza - diferente de tudo que já se ouviu.

Não importa o estilo ou os desfeches sonoros que ele produz, Áiza desobedece ao convencional e ao linear: hard rock, metal progressivo, punk rock, rock n'roll clássico, new metal, gothic metal ou metal melódico – tudo é abduzido, reprocessado com influências de Los Hermanos, trilha sonora do Chaves, Coldplay, macarrão instantâneo, Vanessa da Mata e alguns calmantes, e o produto final é um som difícil de se definir, mas instigante de se escutar.

"Nas minhas músicas eu costumo deixar que os arranjos fluam inconscientemente conscientes. Inovador? Talvez. Só mais uma banda de rock? Nunca. Seria muita pretensão da minha parte afirmar que estou criando um novo estilo musical no rock, o correto seria afirmar que não tenho uma definição, pois em cada música procuro seguir uma nova linha velha”, revela Isabella, vocalista e autora do projeto.

Áiza é insólito devido ao teor de estranheza das letras, assim como o título de algumas delas também – A Moça do Chá, Zapeando – refletem a força e a ironia que este projeto quer trazer, seja pela voz incomum da cantora ou pelo avesso lírico do romantismo crítico, na canção Não era Sério ou em Reflexolidão: “não sei onde posso encontrar minha porção de existência... Não desligue a tevê, pois vai começar o show da destruição... Não estou dissimulando e nem fingindo algo que estou sentindo”.
*Carlos Eduardo Freitas é jornalista e colabora com este Blog desde janeiro de 2009.

Uma vitória por Rian

O garoto Rian Marcelo Marques, de apenas sete anos de idade, tinha, no auge de sua infância, duas paixões especiais: jogar futebol pelo time Estrelas do Umbu e o Sport Club Internacional. Ele morava em Alvorada (RS), uma das cidades do Rio Grande do Sul mais assoladas pela violência e demais tragédias sociais. Município, aliás, onde o blogueiro foi criado, na Região Metropolitana de Porto Alegre.
A exemplo de boa parte dos meninos de sua faixa etária, ele sempre manifestou o desejo de ser jogador de futebol. Era o centroavante de seu time. No domingo, 24 de maio, marcou três gols na vitória de sua equipe, de acordo com o que Nicolas Mor, de 12 anos, meio-campista do Estrelas do Umbu, relatou ao jornal Diário Gaúcho. Ele também estava aprendendo a escrever.
Na terça-feira, 26, faltou água na escola, portanto, não houve merenda para os jovens estudantes da Vila Umbu. Por essa razão, por volta das 11h30, Rian voltou para casa com o objetivo de almoçar. Antes do retorno, resolveu jogar pião com os amigos na rua. Mas a brincadeira, infelizmente, durou pouco. A praga do crack que parece ter se alastrado pelo Rio Grande do Sul, decretaria a interrupção da vida do pequeno craque da bola. Em meio a um tiroteio de duas gangues de traficantes da pedra maldita, Rian levou um tiro na cabeça e acabou morrendo no hospital Cristo Redentor, as 21h16 do mesmo dia.
Na quarta-feira, 27, o corpo de Rian foi enterrado no cemitério São José Operário, num momento de muita revolta e comoção. Onze horas depois, o Internacional jogava o primeiro jogo da semifinal da Copa do Brasil, contra o Coritiba. Dessa vez, o menino não conseguiu ver seu ídolo Andrés D'Alessandro jogar. A vitória colorada por 3x1 foi dedicada a memória de Rian, que agora faz brilhar sua estrela no céu.
Neste duro contexto de constantes derrotas para o tráfico, podemos dizer que o triunfo do Inter, foi uma vitória por Rian.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Eu queria um poema de Brecht

Eu queria um poema de Brecht
Sim, daqueles que se lêem quando a vida fica nua
no interior da xícara de café
São milhões de pedaços de alguém

Mas eu queria um poema de Brecht
Sabe aqueles que sentem o amor em meio a guerra?
Então, eles sobrevivem ao tempo, aos desgastes do tempo
E aos antagonismos eternos: capital x trabalho
Paixão x Ódio

Um poema de Brecht cairia bem agora
Para fixar em mim esta obsessão pelo impossível
E para me tornar mais forte nas lutas desiguais
Faria muito bem a mim... Melhor ainda a você...
É que minha vida já é toda um poema de Brecht
Mas o seu medo é enorme para ler essas coisas

sexta-feira, 22 de maio de 2009

‘RUMÁLADISGRAÇA’ em quem ouve mp3 alto no 'buzú'

Foto: Anarkopagina.orgPor Carlos Eduardo Freitas* [cadusongs@yahoo.com.br]

O cancioneiro popular jamais, em nenhum tempo, ousou pensar em tão distinto, original e inimaginável eloqüente xingamento: Rumáladisgraça! Quando aquele ‘mala’ entra no buzú cheio, depois que a maior parte dos usuários do transporte público da capital baiana - que estão neste mesmo buzú - deixaram o trabalho, após uma jornada de 8h e mais uns quebrados, pega seu aparelho celular estéreo e coloca uma série de músicas em mp3, no volume máximo, se lixando para os demais passageiros... Para esse sujeito, a turma logo grita: “rumáladisgraça nesse miserê”!

Traduzindo... o que os irritados passageiros [estressados e cansados, na verdade] querem dizer é: “ajam violentamente com este homem, dêem umas boas porradas nele, para vê se ele se toca e abaixa ou desliga essa porcaria de som”! É que nós baianos temos um jeito [leia-se dialeto] todo especial de lidar com tais malas. Os orkuteiros de plantão já devem até ter uma comunidade intitulada “Rumáladisgraça nele” ou a mais clichê: “Eu odeio quem ouve mp3 alto no buzú”.

Mas, não é que esse povo que se relaciona pela internet tem razão! Só quem já vivenciou o fato sabe quão digno de repugnância e irritabilidade ele é. Têm umas pessoas que nasceram para sonorizar o mundo. Põem o som de casa no volume 40, tocando de ‘Rala a xana no asfalto’ a arrochas-releituras-de-clássicos-internacionais. Piores que estes, só os camaradas que fazem isso nos ônibus. A pessoa está querendo ler um bom livro, no enfadonho percurso de casa para o trabalho, os estudantes desesperados lendo suas dezenas de apostilas, os dorminhocos querendo tirar uma última sonequinha antes de começar a jornada de trabalho... E lá, nos lugares mais inusitados do buzú, o ‘mala’ com seu celular sony-ericsson [um dos mais altos] tocando de música evangélica a hip-hops paulistanos.

Há aquelas senhorinhas mais boazinhas, quase assistentes sociais, que amenizam: “Êi, ó o auê aí ô”! ‘Auê’, em bom baianês, significa baderna, barulho, ‘zoada’. Mas, os sujeitos do mp3 de celular são insistentes. Fingem até que estão dormindo, para não serem [imagine!] incomodados. Têm aqueles que até cantam juntos, no mesmo volume alto das canções. É por isso que, mesmo sendo extremamente contra a violência, este colunista faz coro aos mais raivosos: “Rumálaporra nesse mané”!

*Carlos Eduardo Freitas é jornalista, além de colaborador deste blog desde janeiro de 2009.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

‘Eu Mereço’ a la ‘Gentes in Lugares’ ou vice-versa

O colunista/Foto: Jonatan ReisPor Carlos Eduardo Freitas [cadusongs@yahoo.com.br]
Uma desventurada crônica de terça-feira, com cara de sexta-feira - daquelas de tomar banho de ‘sal grosso’ e tudo, no final do dia. O dito, apenas foi uma malemolente forma de este cronista se desculpar pelo atraso no envio do texto da semana, que alimenta a coluna Gentes in Lugares, deste Blog.

Aprendendo a narrar um pouco dos inimagináveis infortúnios do amigo e pré-jornalista Alex Jordan, “Eu Mereço”, me atrevo a brincar com as palavras, assim como o amigo o faz com as insólitas situações que o acometem [depois do Trabalho de Conclusão de Curso isso vai melhorar, Jordan – oxalá, que sim!].

Era uma terça-feira em Salvador, que começou tão agitada, que nem dava para perceber se chovia, se estava nublado o dia, ou se o sol castigava. Era simplesmente um dia atípico. Primeiro pelo fato de eu não estar em Camaçari, trabalhando no jornal online que me garante os primeiros louros [$$$], como jornalista, após a graduação. Segundo, porque eu precisava usar os serviços de um cartório – coisa que não é muito comum para mim.

Acompanhe a crônica-senão-cômica-cronologia:

8:53 – Alô? Deco? Cara, qual o cartório com menos filas aqui, em nossa cidade [Salvador]?

- O da Boca do Rio [bairro onde mora Jordan, “Eu Mereço” – sacaram a ligação?].

- Ok, meu caro. Estou indo pra lá.

9:40 – Não acredito?! – Nas portas de vidro, fechadas, do tabelionato da Boca do Rio, um aviso, impresso em papel A4, trazia a manchete que demarcava o início do meu estresse: “Estamos fechados por tempo indeterminado, devido a problemas técnicos”.

9:45 – [É, fiquei cinco minutos reaglutinando os pensamentos, após ler a tal ‘manchete’] - E agora? O que eu faço? Ah! Já sei: Alô? Deco? Cara, qual o cartório mais próximo da Boca do Rio? O daqui está fechado por tempo indeterminado.

- Tem um no Itaigara e outro no Iguatemi, no Centro Empresarial. – Escolhi, para meu posterior desespero, o cartório do Iguatemi.

10:47 – Chego ao tabelionato do Centro Empresarial Iguatemi. Nem me deixaram adentrar no recinto. Com o braço obstruindo o acesso da porta entreaberta, um policial, meio rechonchudo, desferira a sentença: “Acabou a distribuição das senhas do período da manhã. Só vai haver nova distribuição às 13h”.

- Senha?! Indaguei-me! – Sem mais o que fazer e com a programação do dia já comprometida, fui gastar o tempo no Shopping Iguatemi, que fica a menos de 200 metros do cartório. Uma passadinha na capela, para pedir as bênçãos do Céu, e uma passeada em lojas diversas [a melhor forma do tempo passar rápido, em um shopping!]

12:39 – Sem almoçar, chego ao Tabelionato, na esperança de garantir uma das primeiras senhas, devido ao horário. Ledo engano. No corredor, mais de 80 pessoas se aglomeravam, na mesma esperança que eu. Fiquei com a senha de número 82. Pasmem!

13:18 – A primeira ficha é chamada no painel eletrônico do Tabelionato: “Senha 001 – Guichê: 02”. – O pior é que apenas dois caixas [guichês] estavam realizando o atendimento. O guichê 01, para piorar, ainda atendia remanescentes do período da manhã e as pessoas preferenciais [idosos, gestantes, espertinhos [ops!]... mais idosos, mais gestantes e lactentes, com seus bebês no colo...]... Onde isso iria parar? – pensei.

13:55 –
Decidi ir a uma reunião agendada para as 14h30, no Centro Administrativo da Bahia, que fica a 25 minutos dali [de buzú, é claro]. Troquei minha ficha por uma de numeração maior, 93, com uma mulher que esperava a vez dela, fora do cartório.

14:28
– Chego ao local da reunião.

15:26 – Deixo o local da reunião e sigo para o cartório, apressado, temendo ter perdido a vez e, por conseguinte, não conseguir resolver meus afazeres ‘tabelionais’.

16:03 – Chego ao cartório do Centro Empresarial Iguatemi pela terceira vez no mesmo dia. Olho apressado e apreensivo para o painel eletrônico e, consternado, percebo que ainda iria esperar no mínimo uma hora, para então ser atendido. O painel marcava: “Senha 70 – Guichê 01”. – Por que não fiquei com minha senha inicial – pensei, chateado, com meus ‘botões’.

17:21 – Consegui, finalmente, sair do cartório com as cópias do meu RG, CPF, Carteira de Trabalho e comprovante de residência autenticados, ao preço de R$ 1,20, cada documento.

Depois desse horário, gastei mais quase duas horas, em um ônibus lotado, para só assim chegar a minha casa. Gentes in Lugares não foi ao ar, na última terça-feira, 12 de maio, pois o cronista, simplesmente, ‘apagou no sofá’, quase estafado. E, como diria um tão Macaco Brasil, “hoje só amanhã”.

*Carlos Eduardo Freitas é jornalista, além de colaborador deste blog desde janeiro de 2009.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Minha condenação

A escritora Renata Belmonte afirmou, certa feita, em entrevista à Revista Iararana, que "escrever é uma condenação". Concordo plenamente com ela. Confesso que já havia me dado conta desta constatação há mais tempo, mas, somente agora, com a redação do livro "Codinome 'Baixo': Comunista, Brasileiro, Revolucionário", em parceria com Alex Jordan, esta concepção se mostra mais intensa para o blogueiro.
Encontro-me extremamente envolvido com o livro. A pesquisa sobre a ditadura militar tomou conta de mim, ao ponto que não consigo mais ficar muito tempo sem escrever algo relacionado.
O café é a testemunha fiel de minha condenação.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

O TCC e os estudantes de Senhor do Bonfim

Prezados leitores,
sei que ultimamente tenho andado em dívida com todos vocês, afinal, as atualizações aqui do blog estão cada vez mais escassas. A culpa? Bem, certamente vocês já ouviram falar no tal Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), aquele que serve como requisito para nossa aprovação (ou não, como diria Caetano) no último semestre da faculdade.
Pois é. O TCC é capaz de nos tirar noites de sono, diminuir a libido e o bom-humor de boa parte dos mortais, e eu integro este time de famigerados. Mas fazer o quê? No dia 29 de maio, o livro-reportagem "Codinome 'Baixo': Comunista, Brasileiro, Revolucionário" estará depositado nas mãos dos professores-mestres que o analisarão até a segunda semana de junho, quando Alex Jordan e eu defenderemos a nossa obra diante da Banca Examinadora.
Por ora, apesar do cansaço, confesso a vocês que estou muito empolgado. Nesta segunda-feira, 11 de maio, o primeiro capítulo de nosso livro foi distribuído em uma escola pública do município de Senhor do Bonfim (BA), onde o nosso 'perfilado', Benjamim Ferreira de Souza, o "Baixo", morou durante muitos anos. Na manhã de hoje, Benjamim ministrou uma palestra sobre a experiência dele como militante de esquerda na ditadura militar (1964-1985) para os alunos deste colégio, e a primeira porção deste trabalho que Jordan e eu temos feito com tanto afinco já está nas mãos deles.
Como vivemos em um país de memória curta, e levando-se em conta que os nossos jovens estão cada vez mais distantes dos conteúdos capazes de acrescentar-lhes algum conhecimento proveitoso, digo que Jordan e eu não poderíamos ter recebido melhor notícia. Ele está lá, na companhia de Benjamim, e eu não pude ir por conta do trabalho, mas outras oportunidades surgirão.
Eu sei que a tal responsabilidade social anda distante de muitos colegas que vagam por aí na estrada. Mas defendo que ela deveria ser exercitada e aplicada diariamente nas redações e fora delas, porque eu desconheço o jornalismo que deixa de acrescentar valores positivos para a vida das pessoas. Quando me propuseram fazer o contrário, peguei meu boné e pedi as contas, ficando empregado em outro lugar menos de 24h depois...
Não posso me violar.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Correio*: [...] Os assassinados atingiram a vítima

Bem, a proeza a seguir integra a famosa série "As Tranças do Careca", "Onde o Vento faz a Curva" e "Incêndio na Caixa D'Água". Ficou curioso? Então repare na notícia publicada nesta quarta-feira, 6 de maio, pelo site de notícias do jornal Correio*:

Redação CORREIO
O jovem Cleber Ferreira dos Santos, de 18 anos, foi assassinado por volta das 11h20 desta quarta-feira (06) na frente da casa de sua mãe na localidade Bate Coração em Paripe. Segundo a 5ª Delegacia de Polícia (Periperi), Cleber, que morava em outra rua do bairro, teria ido visitar a mãe quando foi interceptado por três homens encapuzados. Os assassinados atingiram a vítima, que não tinha passagem pela polícia, com quatro disparos.

Os assassinos fugiram após efetuar os disparos. O corpo foi encaminhado para o Instituto Médico Legal. Ainda não há informações sobre a motivação do crime.

Meu comentário:
Imagine que cena: os assassinados matando a vítima com quatro tiros...

Leituras da Folha: quando o "erramos" pretende encobrir a fraude

Foto: Antonio Cruz/ABr Por Sylvia Moretzsohn

A controvérsia iniciada pela Folha de S.Paulo em 5 de abril, com a extensa matéria que vinculava a atual ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, ao planejamento do sequestro do então ministro Delfim Netto, em 1969, atingiu um novo patamar com o texto publicado sábado (25/4). O título, oblíquo, dissimula: "Autenticidade de ficha de Dilma não é provada". Ali o jornal – em matéria enviada pela sucursal do Rio, e não produzida na sede – reconhece dois "erros": o crédito, como "Arquivo [do] Dops", dado à reprodução de um documento que, na verdade, fora enviado por e-mail à repórter, e o fato de haver tratado como autêntica uma ficha cuja origem não podia comprovar.

Este Observatório reagiu com agilidade à matéria, acusando no dia seguinte o "erramos envergonhado" e afirmando: "Folha publicou ficha falsa de Dilma". No entanto, errou, também, duplamente: primeiro, ao dizer que o jornal havia reconhecido ser "falsa" a tal ficha; segundo, e mais importante, ao tratar como "erro" algo que é evidentemente uma fraude. Delimitar com clareza a distinção entre uma coisa e outra é fundamental para uma crítica justa, dadas as implicações – jurídicas, inclusive – que cada uma dessas práticas importa.

As diferenças entre erro e fraude

Erro, como se sabe, é algo casual, involuntário, que "acontece". Pode ser banal e irrelevante, pode ser grave, gravíssimo e produzir consequências catastróficas, pode resultar de incompetência ou de informações insuficientes, mas será sempre um acidente.
É, como se costuma dizer, uma característica da espécie humana. No caso do jornalismo, o ritmo sempre acelerado de produção, aliado ao irracionalismo que domina a competitividade na era do "tempo real", costumam ser a principal justificativa – quando não a desculpa – para os erros que se multiplicam no noticiário cotidiano. Foi um erro, por exemplo, o anúncio da queda do avião da Pantanal em São Paulo, em maio do ano passado; foi um erro assumir como verdadeira a denúncia da brasileira que teria sido torturada por skinheads na Suíça.

Não é o caso dessa história sobre a ficha da ministra: desde sempre, a Folha sabia da origem do documento e também sabia que não havia confirmado sua autenticidade. No entanto, vendeu-o como fidedigno e falseou a fonte. Não apenas no minúsculo "Arquivo Dops" que aparece como crédito, mas no escancarado FICHA DE DILMA ROUSSEFF NO DOPS, menor apenas que o título da chamada de capa da edição de 5 de abril.

Obrigada a recuar, diante das investigações realizadas por iniciativa da própria Casa Civil, que demonstraram a inexistência daquele modelo de ficha no Arquivo Público de São Paulo, e da carta que a ministra escreveu ao ombudsman, a Folha optou pelo contorcionismo verbal – para não dizer ético – e acusou um singelo "erro técnico" na classificação dos documentos utilizados para a reportagem, que teria originado a identificação equivocada da fonte.

É verossímil que uma reportagem que custou quatro meses de pesquisa – segundo artigo neste mesmo Observatório ["Uma releitura da Folha e da fonte", em 8/4] – possa descurar de algo tão elementar como a catalogação correta daquela ficha?

Pérola de cinismo

Já muito se especulou sobre as intenções dessa reportagem. É muito óbvio que, se o jornal estivesse comprometido com o nobre propósito de zelar pela "memória da ditadura", não teria qualquer motivo para explorar a figura da ministra: afinal, todas as informações sobre o planejamento do sequestro-que-não-houve foram dadas por Antonio Espinosa, o comandante militar da organização guerrilheira. Como argumentou o ombudsman em sua primeira crítica sobre a matéria, o correto seria utilizar como ilustração a ficha de Espinosa.

Mas quem conhece Espinosa? Por outro lado, quem desconhece Dilma?
Então é muito óbvio: a título de "memória da ditadura", o jornal alardeia, jogando com o tamanho das letras: "Grupo de DILMA planejou sequestro de DELFIM NETTO". E "ilustra" a chamada com a reprodução da tal ficha policial.
É óbvio demais: a publicação de fotos ou cópias de documentos só se justifica como comprovação de fatos.
Por isso, precisam ser fidedignos. Porém a Folha decidiu publicar um documento cuja origem desconhece e que "está circulando há mais de um ano pela internet". Entretanto, só nos diz isso agora, desculpando-se pelo "erro", que nem foi tão grave assim: afinal, a autenticidade "não pode ser assegurada – bem como não pode ser descartada".

Esta pérola de cinismo – esse cinismo que campeia nas redações e que exige de todos os que vivem ou passaram por essa experiência um estômago de avestruz para discutir a sério tais argumentos –, esta pérola de cinismo tem, no entanto, efeito oposto ao pretendido: só ajuda a escancarar a fraude, que induz o público a erro e o leva a duvidar do jornal que lê.

Testando hipóteses

Todo mundo sabe que o principal capital de um jornal é a sua credibilidade. Todo mundo sabe que vender gato por lebre é fraude. Nem se fale do ponto de vista ético, mas dos interesses mais comezinhos de sobrevivência, que orientam qualquer comerciante em seus cálculos. Por isso, o espanto: sabendo que seria inevitável a descoberta da fraude, como foi possível tamanha irresponsabilidade?

Talvez a resposta esteja na já famosa teoria do teste de hipóteses, como observaram aqui mesmo, em comentário, o professor Samuel Lima e, em seu blog, o jornalista Luiz Carlos Azenha: a Folha estaria apenas testando a hipótese da autenticidade do documento – bem de acordo, aliás, com outra hipótese, tão cara ao "jornalismo colaborativo", de publicar primeiro e confirmar depois. De minha parte, sugiro outras duas.
A primeira (da matéria original): a principal fonte implicada, uma ministra de Estado, não iria correr atrás da informação; a segunda (do atual "erramos"): o público é idiota.

Tão idiota que nem deve ter notado a ausência de um mísero registro desse "erramos" na capa, como seria compatível com um mínimo critério de proporcionalidade. Tão idiota que pode, por isso mesmo, ser convencido de que a autorregulação é mesmo o melhor caminho para a garantia de uma imprensa livre, democrática e responsável. Tão idiota que não deve achar necessário o esclarecimento cabal desse escândalo.

Fraude à la Folha: jornal assume que ficha sobre Dilma não é segura

Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr
A Folha cometeu dois erros na edição do dia 5 de abril, ao publicar a reprodução de uma ficha criminal relatando a participação da hoje ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) no planejamento ou na execução de ações armadas contra a ditadura militar (1964-85).
O primeiro erro foi afirmar na Primeira Página que a origem da ficha era o "arquivo [do] Dops". Na verdade, o jornal recebeu a imagem por e-mail. O segundo erro foi tratar como autêntica uma ficha cuja autenticidade, pelas informações hoje disponíveis, não pode ser assegurada - bem como não pode ser descartada.
A ficha datilografada em papel em tom amarelo foi publicada na íntegra na página A10 e em parte na Primeira Página, acompanhada de texto intitulado "Grupo de Dilma planejou sequestro de Delfim Netto". Internamente, foi editada junto com entrevista da ministra sobre sua militância na juventude. Sob a imagem, uma legenda ressaltou a incorreção dos crimes relacionados: "Ficha de Dilma após ser presa com crimes atribuídos a ela, mas que ela não cometeu".
O foco da reportagem não era a ficha, mas o plano de sequestro em 1969 do então ministro Delfim Netto (Fazenda) pela organização guerrilheira à qual a ministra pertencia, a VAR-Palmares (Vanguarda Armada> Revolucionária Palmares). Ela afirma que desconhecia o plano. Em carta enviada ao ombudsman da Folha anteontem, Dilma escreve: "Apesar da minha negativa durante a entrevista telefônica de 30 de março (...) a matéria publicada tinha como título de capa "Grupo de Dilma planejou sequestro do Delfim".
O título, que não levou em consideração a minha veemente negativa, tem características de "factóide", uma vez que o fato, que teria se dado há 40 anos, simplesmente não ocorreu. Tal procedimento não parece ser o padrão da Folha." A reportagem da Folha se baseou em entrevista gravada de Antonio Roberto Espinosa, ex-dirigente da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e da VAR-Palmares, que assumiu ter coordenado o plano do sequestro do ex-ministro e dito que a direção da organização tinha conhecimento dele.
Três dias depois da publicação da reportagem, Dilma telefonou à Folha pedindo detalhes da ficha. Dizia desconfiar de que os arquivos oficiais da ditadura poderiam estar sendo manipulados ou falsificados. O jornal imediatamente destacou repórteres para esclarecer o caso. A reportagem voltou ao Arquivo Público do Estado de São Paulo, que guarda os documentos do Dops. O acervo, porém, foi fechado para consulta porque a Casa Civil havia encomendado uma varredura nas pastas.
A Folha só teve acesso de novo aos papéis cinco dias depois. No dia 17, a ministra afirmou à rádio Itatiaia, de Belo Horizonte, que a ficha é uma "manipulação recente". Na carta que enviou ao ombudsman, Dilma escreveu:
"Solicitei formalmente os documentos sob a guarda do Arquivo Público de São Paulo que dizem respeito a minha pessoa e, em especial, cópia da referida ficha.
Na pesquisa, não foi encontrada qualquer ficha com o rol de ações como a publicada na edição de 5.abr.2009. Cabe destacar que os assaltos e ações armadas que constam da ficha veiculada pela Folha de S. Paulo foram de responsabilidade de organizações revolucionárias nas quais não militei. Além disso, elas ocorreram em São Paulo em datas em que eu morava em Belo Horizonte ou no Rio de Janeiro. Ressalte-se que todas essas ações foram objeto de processos judiciais nos quais não fui indiciada e, portanto, não sofri qualquer condenação. Repito, sequer fui interrogada, sob tortura ou não, sobre aqueles fatos."
A ministra escreveu ainda: "O mais grave é que o jornal Folha de S.Paulo estampou na página A10, acompanhando o texto da reportagem, uma ficha policial falsa sobre mim. Essa falsificação circula pelo menos desde 30 de novembro do ano passado na internet, postada no site www.ternuma.com.br ("terrorismo nunca mais"), atribuindo-me diversas ações que não cometi e pelas quais nunca respondi, nem nos constantes interrogatórios, nem nas sessões de tortura a que fui submetida quando fui presa pela ditadura. Registre-se também que nunca fui denunciada ou processada pelos atos mencionados na ficha falsa."
Fontes
Dilma integrou organizações de oposição aos governos militares, entre as quais a VAR-Palmares, um dos principais grupos da luta armada. A ministra não participou, no entanto, das ações descritas na ficha. "Nunca fiz uma ação armada", disse na entrevista à Folha de 5 de abril. Devido à militância, foi presa e torturada. Na apuração da reportagem do dia 5, o jornal obteve centenas de documentos com fontes diversas: Superior Tribunal Militar, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Arquivo Público Mineiro, ex-militantes da luta armada e ex-funcionários de órgãos de segurança que combateram a guerrilha.
Ao classificar a origem de cada documento, o jornal cometeu um erro técnico: incluiu a reprodução digital da ficha em papel amarelo em uma pasta de nome "Arquivo de SP", quando era originária de e-mail enviado à repórter por uma fonte. No arquivo paulista está o acervo do antigo Dops, sigla que teve vários significados, dos quais o mais marcante foi Departamento de Ordem Política e Social. Na ditadura, era a polícia política estadual. Entre as imagens reproduzidas pelo arquivo, a pedido da Folha, não estava a ficha.
"Essa ficha não existe no acervo", diz o coordenador do arquivo, Carlos de Almeida Prado Bacellar. "Nem essa ficha nem nenhuma outra ficha de outra pessoa com esse modelo. Esse modelo de ficha a gente não conhece."Pelo menos desde novembro a ficha está na internet, destacadamente em sites que se opõem à provável candidatura presidencial de Dilma. O Grupo Inconfidência, de Minas Gerais, mantém no ar uma reprodução da ficha. A entidade reúne militares e civis que defendem o regime instaurado em 1964.
Seu criador, o tenente-coronel reformado do Exército Carlos Claudio Miguez, afirma que a ficha "está circulando na internet há mais de ano". Sobre a autenticidade, comentou: "Não posso garantir. Não fomos nós que a botamos na internet". Pesquisadores acadêmicos, opositores da ditadura e ex-agentes de segurança, se dividem. Há quem identifique indícios de fraude e quem aponte sinais de autenticidade da ficha. Apenas parte dos acervos dos velhos Dops está nos arquivos públicos. Muitos documentos foram desviados por funcionários e hoje constituem arquivos privados.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Dilúvio em Salvador

Águas torrenciais
Sinais vermelhos em luzes
Noite às dez da manhã
Carros que não se movem
Crianças descalças na Polêmica
Encostas que descem
Pessoas que sobem
Barulhos de gotas em mil guarda-chuvas
E o povo abafado no ônibus
Ou em pontos de romaria
Alguma segurança em lugar remoto
Talvez na Pituba
Nos prédios do Costa Azul
Em grades do Horto de florestas
Menos nas crianças descalças da Polêmica

O baba se foi, mas e a feijoada itinerante?

Foto: brazilbrazil.com
Por Carlos Eduardo Freitas* [cadusongs@yahoo.com.br]


A fumacinha exalava e como em um desenho animado delineava um curso inimaginável até adentrar com força nas narinas dos famintos transeuntes. Era final da manhã, do início do final de semana. Os rapazes, após o tradicional ‘Baba do Barreiro’, sentam-se nas cadeiras de bar, acomodadas no largo, no meio da rua mesmo, e sujos e suados, esperavam com olhares devoradores, a robusta feijoada baiana.

Não era nenhum tipo de restaurante em frente à campinhos de futebol de várzea não, esta famosa feijoada é servida em uma esquina, numa bicicleta adaptada, que mais parece um carrinho de hot dog. O proprietário coloca a enorme panela no carrinho-bicicleta, pratos, talheres, copos para a cerveja ou refrigerante, reservatório de água, para lavar as louças e um baita de um sorrisão na cara.

Ah! E já ia esquecendo dos potes de farinha e de pimenta, pedido unânime da clientela. Esta feijoada itinerante já virou marca registrada do ponto entre a EscolaBrigadeiro e o Posto de Gasolina de São Cristóvão. Dizem que com a chegada do Sistema Viário 2 de Julho a clientela aumentou, mas já o ‘Baba do Barreiro’, não vai rolar mais. É que a família Paes Mendonça está construindo mais um grande shopping center (o Salvador Norte), bem no espaço que a galera, esfomeada pela feijoada, jogava sua peladinha de final de semana...
*Carlos Eduardo Freitas é jornalista, assessor de imprensa da Associação dos Gestores Governamentais do Estado da Bahia e colaborador deste blog desde janeiro de 2009.