terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Fronteira feita de cordas

Foto: ZitaKamugira
Por Carlos Eduardo Freitas* [cadusongs@yahoo.com.br]
A chuva caía em câmera lenta. Límpida e cristalina era ornada por raios de luz que saíam dos postes e de enormes caminhões sonoros e luminosos naquela noite de verão, perdida no tempo, na Soterópolis. O chão molhado era coberto por um tapete de garrafas PET de água mineral, vazias, amassadas. Latas de cerveja e refrigerante, pontas de cigarro e garrafinhas de vidro de Sminorff Ice completavam a alfombra.
À frente, acontecia um turbilhão de som, gente, suor e ambigüidades. Em meio à aglomeração palpitante, uma mão erguida, suada, com uma luva de lã, chamava a atenção. Um close a destacava. Era uma velha e firme mão. As veias alteradas criavam ondulações na pele.
Aquela ilustre, porém invisível – aos olhos das elites sociais - figura humana representava uma categoria de gente que realça, com a força dos braços, a fronteira sócio-cultural do carnaval de Salvador: os cordeiros. Ironicamente, eles têm que proteger àqueles que, na maioria das vezes, não os vêem. A divisa a qual são responsáveis é a linha tênue que reparte os milionários blocos carnavalescos do folião pipoca, e geralmente sem um tostão.
O salário por tão duro, às vezes violento e desigual quase ofício gira em torno de R$ 10, por dia. A jornada de trabalho?! Vamos lá, das sete da manhã as duas da madrugada, ou mais, está bom?! “Viva a Revolução do Axé Music”! Eles nem sempre são lembrados nem mostrados pelas famigeradas emissoras de televisão, que lucram generosas porções de dinheiro transmitindo os sete dias de folia, na capital dos baianos. Sem eles, porém, estes blocos não sairiam do lugar.
Depois dos dias de labor começa uma nova jornada, essa agora vem carregada de esperança: a de receber o miserável pagamento pelos dias de cordas puxadas.
*Carlos Eduardo Freitas é jornalista, assessor de imprensa da Associação dos Gestores Governamentais do Estado da Bahia e colaborador deste Blog desde janeiro de 2009.

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