quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Defronte ao Forte


Defronte ao Forte de Monte Serrát, na divisa do bairro homônimo com a praia de Boa Viagem, me pego sentado num banco de concreto, fitando o horizonte repleto de navios da Baía de Todos os Santos, assaltado vez ou outra por fantasmas indecisos entre o passado e o presente. Ah, as lembranças! Como elas ganham meus pensamentos nos raros instantes em que dou uma pausa para as preocupações da correria diária.

Lembranças de minha infância sadia em um ambiente conturbado, a exemplo das vezes em que precisava ter cuidado para não pisar nos cadáveres dos meninos assassinados nas escadarias do Jardim Aparecida, enquanto minha mãe passava comigo rápido me dando a mão para me levar a escola. Lembranças do terreno de nossa casa simples, repleto de árvores frutíferas: goiabeira, bergamoteira, laranjeira e limoeiro. O ruído do motor do Dodge Polara de meu pai, indicando que ele estava chegando do trabalho. As discussões intermináveis com minha mãe e os bons momentos também, “para não dizer que não falei das flores”.

O cachorro Yago, carinhoso e serelepe, e as noites sem dormir por conta das procissões funéreas dos descendentes açorianos da Barra da Lagoa, com aquela cantoria triste e o povo vestido de preto. A falta do gás e a escassez do leite, mas sempre a permanência do pão sobre a mesa. Meu jeito introspectivo de ser. Os modelos positivos e negativos de minha herança genética, que eu penso ter conseguido filtrá-los. Todas as minhas paixões: café bem quente e forte, o Internacional, a música e a minha opção pouco inteligente pelas mulheres extremamente inteligentes. O Axé que recebi do Caboclo Raio de Sol num ritual de Candomblé, em Salvador. A alegria de fazer um filme com os colegas de faculdade: Caboclo pediu, alabê tocou. O germinar da semente do primeiro livro e as dificuldades de se tocar nas feridas da Ditadura.

Todos os meus versos imperfeitos. O orgulho pela demonstração de coragem. Meu flerte juvenil com o PT, o namoro cheio de amor e ódio seguido pelo pedido de divórcio, que resultou no juntar de escovas de dente com o PC do B... O desenvolvimento do meu senso crítico. A chegada pela frente do menino de Alvorada à academia. A matança dos dez leões por dia e a certeza boa de estar contrariando as estatísticas. O dedo na cara. Todas as injustiças que cometi e as pedradas que me acertaram o peito. Meus amores impossíveis e a fase de encarar a realidade. As reflexões ante a Geração Coca-Cola e a Geração Cocaína. O reflexo do neon azul do Hotel da Ribeira. O Líbano despedaçado. O Líbano reconstruído. A águia bombardeada.

A lembrança de que todos estes momentos sempre permanecerão eternos, como páginas perpétuas no livro de minha vida.

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