quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Entrevista com Edvaldo Pereira Lima


Por Murilo Gitel
Jornalista, escritor e professor, Edvaldo Pereira Lima (foto) nasceu na pequena cidade de Columbia, no interior do Paraná. Ao conhecer boa parte do país viajando durante à infância e adolescência, ficou fascinado pelas reportagens da revista Realidade, responsável por estimular o então garoto sonhador a escrever. Aos 15 anos de idade, a miopia interrompeu o outro sonho: o de pilotar jatos transcontinentais, mas não foi suficiente para impedi-lo de se tornar uma das mais respeitáveis referências bibliográficas na área da comunicação.
Graduado em jornalismo e turismo, fez Mestrado e Doutorado em Ciências da Comunicação na Universidade de São Paulo (USP), onde leciona na Escola de Comunicação e Artes (ECA). Autor de vários livros, dentre os mais destacados O que é Livro-Reportagem e Páginas Ampliadas, o principal foco do pesquisador abrange o Jornalismo-Literário (livro-reportagem), a Literatura da Realidade e as Histórias Orais de Vida.
Radicado em São Paulo, ele concedeu uma entrevista por e-mail para ser utilizada no seminário sobre Livro-Reportagem que Alex Jordan e eu apresentamos na noite de terça-feira, 26, no Centro Universitário UniJorge, para a disciplina Elaboração de Projetos, mas como recém retornou de viagem, só pôde me enviar as respostas na manhã desta quarta-feira, 27. Ele me adiantou que dentro de poucas semanas já estará circulando a quarta, ampliada e atualizada edição do Páginas Ampliadas, também pela Editora Manole. Haverá um capítulo novo sobre Jornalismo Literário, trazendo fundamentos essenciais.
Blog: Professor, na coluna de Celso Falaschi intitulada “Livro-reportagem ou reportagem grande?” publicada no site Texto Vivo, ele faz uma provocação a respeito do conceito equivocado que muitos estudantes de jornalismo têm sobre o tema. Tem muita gente pensando que a criação não tem nada a ver com disciplina?
EDPL: A prática do Jornalismo Literário e do livro-reportagem exige a combinação dessas duas qualidades. Você precisa ter disciplina, capacidade de planejamento e execução de uma tarefa de longo alcance, para poder dar conta da complexidade que é escrever uma matéria de fôlego. Você precisa estudar o assunto, informar-se, familiarizar-se, levantar informações, compreender com propriedade o tema subjacente ao assunto. Depois, precisa pensar bem na pauta, partir para entrevistas, captação e observação com um desenho na sua mente do que pretende buscar. E finalmente, precisa também ter disciplina, dedicação, empenho para escrever e editar. Ao mesmo tempo, precisar ser criativo no sentido de encontrar ângulos diferentes para captar e compreender o mundo e para escrever a história que tem para contar. Criatividade nada tem a ver com a ficção, aqui, nem com a invenção. Tem a ver com um olhar diferenciado para captar e expressar o mundo com imaginação, sem escapar da realidade e sem embarcar no mundo ficcional.
Blog: Em “O que é livro-reportagem” o senhor afirma que o gênero engloba apenas o real factual, seja na veracidade ou na verossimilhança, já que seus procedimentos operacionais são jornalísticos. Para ser mais completo do que as redações de jornais, o que o Jornalismo de profundidade deve buscar?
EDPL: Deve buscar compreender os fatos, as circunstâncias e a realidade sob foco, numa pauta, sob uma ótica de complexidade. Isto é, deve focalizar a realidade como sendo constituída tanto por fatores objetivos, externos, concretos, quanto por fatores subjetivos, internos, sutis. Para isso, o autor deve desenvolver em si mesmo a capacidade de ler e compreender o mundo tanto pela via da lógica e do pensamento racional quanto pela via da intuição e da emoção. Inteligência racional e inteligência emocional devem andar juntas, num autor de Jornalismo Literário. Um escrito assim é tanto inteligente e lógico quanto sensível e intuitivo, em alguma medida.
Blog: Quais são os teus livros-reportagens de cabeceira? E quais autores merecem toda a atenção e credibilidade no gênero?
EDPL: Os meus, de cabeceira, são "Fama & Anonimato", do Gay Talese, "Um Adivinho Me Disse", de Tirziano Terzani, "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum, e meu próprio "Ayrton Senna: Guerreiro de Aquário".
Além desses autores, há muita gente boa no campo do Jornalismo Literário: Tom Wolfe, Caco Barcellos (em seu livro "Abusado"), Joseph Mitchell, Susan Orlean, John McPhee, Paul Theroux (em narrativas de viagem), Lillian Ross, Joan Didion.
Blog: Qual seria a(s) diferença (s) de livro-reportagem para romance-reportagem?
EDPL: O primeiro é uma obra jornalística (isto é, conteúdo verdadeiro) com estilo narrativo literário(isto é, texto esteticamente bem construído). O segundo é uma obra de ficção que se estrutura como se fosse reportagem.
Blog: Desde Hiroshima e Capote o movimento Novo Jornalismo parece ter caído no gosto dos leitores. E atualmente, o livro-reportagem ainda tem espaço no mercado, levando-se em consideração também o boom da internet?
EDPL: Claro! É só ver o interesse crescente das editoras brasileiras em publicar livros-reportagem, especialmente da categoria biografia. É só ver as matérias de várias páginas de Eliane Brum publicadas na revista Época. É só ver as matérias em estilo de Jornalismo Literário publicadas nas revistas Piauí, Brasileiros, Rolling Stones Brasil e Trip.

Blog: Normalmente ocorre uma grande confusão quanto aos conceitos. Jornalismo Literário, Literatura de Não-Ficção e Literatura de Realidade diferem em algum aspecto?

EDPL: Não há confusão. São nomes diferentes fazendo referência ao mesmo fenômeno: a prática de um jornalismo que vai mais fundo do que o jornalismo convencional e que prima por uma excelência narrativa que lhe dá uma legítima qualidade literária.

Edvaldo Pereira Lima também tem um site na internet, o Texto Vivo, onde há artigos e fotos a respeito do Jornalismo Literário.


5 comentários:

Márcia Guena disse...

Murilo,
Gostei bastante da entrevista. Recomendarei a todos os meus alunos da disciplina Jornalismo e Literatura. Recomendo que faça o mesmo com o professor Rogé Ferreira.
Um abração

MuriloAlves disse...

Obrigado, Márcia!

Repeti as perguntas para Felipe Pena, que também gentilmente me respondeu e devo publicar ainda hoje.
Ele torna a erguer a bandeira do que chama de "Jornalismo de Ficção".
Caso os seus alunos precisem dos contatos, pode ficar a vontade para repassar o meu e-mail a eles, ok?
Abraços!

Larissa disse...

Olá,
Obrigada pela entrevista, estou procurando bibliografia sobre Jornalismo Literário e cheguei aqui ao pesquisar sobre o autor.
Se tiveres mais sugestões, agradeço.

Abraço
Larissa

Anônimo disse...

Parabéns pela entrevista, Murilo. Edvaldo tem sido meu principal teórico para o TCC da universidade e, embora eu já esteja na fase final do trabalho, a entrevista me acrescentou um bocado. Posso te adicionar como parceiro em meu blog? tens algum banner para eu postar lá? Aguardo.

Anônimo disse...

Querido,

Que felicidade a minha quando me deparei com seu nome, enquanto procurava referência para Edvaldo. Estou preparando meu seminário sobre livro-reportagem e o autor é minha principal bibliografia. Estou me baseando no livro Páginas Ampliadas.
Sua entrevista caiu dos céus para mim.
Vc vale ouro, rapaz!
Beijo grande!
Ramáiana Leal