sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

"A festa acabou"


A grande dama da rádio-novela gaúcha
Eu relia há pouco uma saborosa entrevista que estudantes da PUC-RS fizeram com a minha tia-avó, Lolita Alves, um dos maiores nomes da rádio-novela do Rio Grande do Sul nas décadas de 40, 50 e 60. Ela foi realizada em 2004, quando a minha estimada "Didi" (como me acostumei a chamá-la desde à infância) estava com 77 anos. Nos tempos áureos do rádio, não existia a televisão, mas as narrativas novelescas não deixavam de fazer parte do imaginário do povo por esta razão. Era uma verdadeira febre e os artistas/radialistas eram venerados.
Cresci ouvindo Didi me contando essas histórias. Ela tinha os maiores salários das rádios Farroupilha e Gaúcha - pioneiras no Brasil e até hoje grandes potências do rádiojornalismo -, onde trabalhou trinta anos. Era reconhecida por nomes como Maurício Sirotski Sobrinho e Mário Ornes por conta da maestria ao interpretar vilãs memoráveis como a Negra Velha de Senzala e a traficante Marina da polêmica e revolucionária rádio-novela intitulada Maconha. "Eu não comparecia aos prêmios em que era indicada como melhor atriz coadjuvante, porque achava injusto. A premiação principal ia sempre para as atrizes que faziam o papel de mocinha, que era fácil demais. Difícil era ser vilã...", me confidenciava.
Ao término desta entrevista que eu cito aqui neste post, o estudante pediu a tia Lolita que ela declamasse um poema, algo que sempre costumava fazer ao aproveitar sua dicção impecável e timbre de voz mavioso. Detalhe: sem esquecer ou trocar um único verso, seja de Gibran, Quintana ou Bandeira, mesmo depois dos 70 anos. E ela encerrou a conversa assim: "Então, vamos finalizar com a poesia de Carlos Drummond de Andrade, José.
“E agora, José? A festa acabou”.
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Soube há poucas horas que minha tia Lolita morreu em Porto Alegre. Aos 81 anos, depois de tantas batalhas vencidas ela perdeu a luta contra uma pneumonia, somada a insuficiência cardíaca. Ela morava na Casa do Artista Rio-Grandense, no bairro Glória. Tive a felicidade de conseguir revê-la, pela última vez, em dezembro de 2007, numa visita que fiz questão de fazer. Ela me parecia muito bem, me presenteou com vários livros e nós conversamos durante horas. Recordo que me disse: - Sérgio Murilo, a tia te ama muito, mas sente que está cansada demais, na hora de descansar. Me dê um abraço porque não te verei mais.
E pela enésima vez eu rebatia, brincando: - Que nada! A senhora diz isso há muito tempo! Tem mais saúde do que eu. Eu te verei ainda por muito tempo.
É uma grande perda para todo o estado do Rio Grande do Sul.
Mas, por outro lado, estou certo de que ela viveu muito e intensamente. É uma grande estrela de luz.
Por ora, falta áudio aos microfones e pessoas no auditório. O som se cala, em sinal de respeito mudo.
A festa acabou.

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