terça-feira, 7 de abril de 2009

CFF: Aconteceu dentro de uma Van... Gentes in Lugares

Por Carlos Eduardo Freitas* [cadusongs@yahoo.com.br]

Era manhã de segunda-feira, 6 de abril. Início da tradicional comemoração da Semana Santa ocidental. Local: uma Van que atua no transporte público alternativo da cidade de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador. O destino? Lama Preta.
A viagem seguia tranqüila, com o transporte não muito cheio, quando de repente uma senhora, com muito mais de 60 anos, adentrou no veículo. E anunciou com tenra voz: “sou passe”. Logo, aquela senhora, que trazia uma fitinha vermelha amarrada nos cabelos brancos, e trajava um vestido multicor, de um corte só, fora interpelada asperamente pelo cobrador: “já tem três ‘passe’ no carro! A senhora não pode ir”.
O clima, entre os dos personagens desta desventurada crônica do triste dia-a-dia dos idosos, das nossas cidades-estados-país, esquentou. A mulher fincava o pé e, decidida de si, afirmava que não desceria do veículo: “imagine, passar por esta vergonha”.
O cobrador, ancorado na passividade do motorista, vislumbrara no fiscal da cooperativa a solução para o entrave com a senhora: “a senhora não vai descer não, né?! Então, eu vou ter que chamar o fiscal, porque a lei nos diz para levarmos apenas três ‘passe’, e já tem aquela senhora ali e estas duas senhoras desse lado. A senhora não pode viajar!”.

Resmungando, por não aceitar tal tratamento, dada a elevada idade, aquela senhora de olhos claros, fita vermelha no cabelo e vestido colorido, aguardava ansiosa a chegada do fiscal. Pelo pára-brisa da Van, a senhora avistara o responsável pela cooperativa. Um também sessentão senhor. Com um sorriso de canto de boca, ela gesticulou apressada, chamando aquele homem, como que visse na melhor idade do fiscal a chave para preitear sua permanência no veículo e, por conseguinte, a continuidade da viagem.

O fiscal já chegou com uma solução. Generoso e com um bom senso que deixou motorista e cobrador sem graça, o homem deu a súmula da questão: “Não vamos pedir a senhora para descer. Seria uma deselegância e falta de respeito com a idade que tens. Só gostaria de informá-la que, por lei, devemos levar três idosos, com direito a passe livre, sentados. Em pé pode viajar até 10. Mas sentados, só três. A senhora fica ciente e nas próximas viagens já evita essa situação, ok?”. Pronto, simples assim.

O cobrador, no entanto, não se conformava. A viagem, após ter sido interrompida por 15 minutos, no ponto de parada do Centro Comercial, prosseguiu. O cobrador? Também prosseguiu batendo boca com aquela senhora: “a senhora está errada. Só pode três ‘passe’”. A dúvida era se o fato de a senhora permanecer no veículo, sendo a quarta passageira com passe livre, iria afetar o bolso do cobrador. Talvez essa pressuposição coadune com a insistente reclamação e desagrado do tal homem.

Aquela senhora, porém, não ficava por baixo. Com uma célebre frase, deu por fim a discussão: “meu filho, você também um dia vai ficar velho. Seu pai, sua mãe também vão ficar velhos. É assim que vai tratá-los? É assim que você vai querer ser tratado?”... Um silêncio desconcertante tomou conta da Van, que a esta hora já estava lotada.
Cinco minutos depois, a birra entre aquela senhora e o cobrador voltou... Não demorou muito. Logo, a mulher desceu na clínica Santa Helena e o cobrador seguiu viagem cantarolando um samba-pagode: “ah, a minha lágrima o tempo seca... pois não foi em vão, não foi em vão... o tempo vai trazer você pra mim...”.

*Adaptação de crônica postada pelo autor no jornal online Camaçari Fatos e Fotos
*Carlos Eduardo Freitas é jornalista, assessor de imprensa da Associação dos Gestores Governamentais do Estado da Bahia e colaborador deste blog desde janeiro de 2009.


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